domingo, 29 de abril de 2012

Taquipneia Transitória do RN (TTRN)

Celia Magalhães *

Quadro clínico caracterizado por surgimento precoce (após o nascimento) de desconforto respiratório leve a moderado que pode incluir: taquipneia, gemidos, batimento de asas do nariz, retração intercostal e cianose, acometendo geralmente bebê de termo ou pré-termo limítrofe; também chamada de Síndrome do Pulmão Úmido.
A TTRN ocorre por edema pulmonar transitório, devido ao retardo de absorção do líquido pulmonar fetal. Em geral, é mais frequente no sexo masculino, em filhos de mãe asmática e nascidos de cesáreas eletivas.
O diagnóstico é de exclusão, devendo ser afastadas as demais causas de dificuldade respiratória, tais como sepse, pneumonia, membrana hialina, cardiopatia congênita cianótica, policitemia e hipertensão pulmonar. Assim, é fundamental colher uma detalhada história materna, bem como exames complementares do tipo hemograma, hemocultura, proteína c reativa e gasometria arterial.
Os principais achados de raio x são hiperinsuflação pulmonar, com rebaixamento do diafragma, infiltrado pulmonar difuso dos hilos para a periferia, evidência de cisuras pulmonares e eventuais aumentos da área cardíaca.
O tratamento inclui ambiente térmico neutro (com diminuição do consumo de O2), oxigenioterapia suplementar ─ mantendo a saturação de oxigênio >90% —, hidratação parenteral adequada e controle de distúrbio eletrolítico (hipoglicemia, etc.).
A evolução em geral é benigna, ocorrendo resolução do quadro em até 72 horas, se não surgirem complicações. O prognóstico é muito bom, geralmente sem dano pulmonar permanente.

[*] Neonatologista, atual Secretária do Comitê de Neonatologia da SPRS.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Otite Média Aguda


Berenice Dias Ramos

Otite média aguda (OMA) é a presença de efusão na orelha média, associada ao início recente, geralmente súbito, de sinais e sintomas de inflamação da orelha média.
Trinta por cento das crianças menores de três anos de idade com infecção de vias aéreas superiores (IVAS) apresentam OMA como complicação.
A IVAS provoca congestão da mucosa do nariz, nasofaringe, tuba auditiva e orelha média, o que resulta na obstrução da tuba, levando a uma pressão negativa que pode resultar em efusão e aspiração de secreção para a orelha média. Essa efusão pode permanecer sem causar sinais ou sintomas de infecção aguda. Entretanto, bactérias patogênicas que colonizam a rinofaringe podem entrar na orelha média através da tuba auditiva e causar OMA.

Fatores Predisponentes do Hospedeiro
 Idade - A faixa de maior incidência do primeiro episódio de OMA situa-se entre 6 e 12 meses de vida.
Sexo masculino, raça, predisposição familiar, imunodeficiência, hiperplasia e infecção das adenóides, Síndrome de Down, malformação craniofacial, como fenda palatina e fenda palatina submucosa são fatores de risco para OMA.
Fatores Predisponentes Ambientais
Creches e berçários, uso de chupetas, exposição ao fumo, aleitamento materno inferior a 6 meses são fatores predisponentes.  A alimentação da criança ao seio ou com mamadeira mais próxima possível da posição sentada diminui o risco de refluxo de leite através da tuba auditiva.
Microbiologia
A OMA pode ser causada exclusivamente por vírus em 10 a 20% dos casos.  Em 70% dos pacientes com OMA encontram-se bactérias na cultura da efusão da orelha média. As bactérias mais frequentes são o Streptococcus pneumoniae, o Haemophilus influenzae e a Moraxella catarrhalis.
Sinais e Sintomas
Crianças com OMA podem apresentar sinais e sintomas não-específicos, tais como febre, irritabilidade, cefaléia, anorexia, vômitos e diarréia. A otalgia é o sintoma mais comum.
A membrana timpânica está abaulada, hiperemiada, edemaciada, opaca, com aumento da vascularização e, na pneumotoscopia, com diminuição da mobilidade. De todos esses sinais, o abaulamento é o mais importante. A otorréia pode ocorrer na OMA supurada, na criança com perfuração crônica da membrana timpânica ou com tubo de ventilação.                                     
                                              
Tratamento
A primeira medida terapêutica deve ser o manejo da dor, que poderá ser realizado com paracetamol ou ibuprofeno.
O uso do antibiótico deve ser guiado pela certeza diagnóstica, idade da criança e gravidade do quadro clínico.
Atualmente, já existe um consenso de que nem todas as crianças com OMA necessitam antimicrobianos. Uma metanálise, com dados individuais de pacientes, sugeriu que a otite bilateral, principalmente em crianças menores de 2 anos de idade, e a otorréia são critérios que orientam para o uso de antibiótico.
As contraindicações absolutas para observação, sem antibioticoterapia são: idade inferior a seis meses; deficiência ou transtorno imunológico; febre alta, doença grave ou falha do tratamento anterior; ou ainda, quando não é possível revisar. As contraindicações relativas para observação são: recidiva dentro de 30 dias; OMA bilateral e otorréia; síndromes, malformação craniofacial ou outro critério que exclui dos estudos sobre OMA.
A estratégia de prescrever o antimicrobiano e orientar os pais a utilizá-lo somente se não houver melhora ou se houver piora, em 24 a 72 horas, é bastante aconselhável e altamente produtiva na redução do uso de antibióticos, principalmente se associada a uma breve explicação.
Antibióticos
Amoxicilina 45 mg/kg/dia de 12/12 horas por 10 dias.
Nos pacientes com falha clínica ou com sintomas mais severos (otalgia intensa ou febre>39°C) pode-se utilizar a amoxicilina em doses aumentadas com clavulanato:
Amoxicilina 80-90 mg/kg/dia com 6,4mg/kg/dia de clavulanato 12/12horas por 10 dias.
O clavulanato visa combater as β-lactamases produzidas por algumas cepas de H. influenzae e a M. catarrhalis. A dose aumentada de amoxicilina visa combater as eventuais cepas de S.pneumoniae resistentes à penicilina. As crianças pequenas que freqüentam creches ou berçários, submetidas a múltiplas antibioticoterapias, tratamentos prolongados ou profilaxia com antibiótico têm maior risco de apresentar infecção por S. pneumoniae resistente.
 Nas crianças alérgicas à penicilina utiliza-se cefuroxima, se a alergia não for do tipo 1, ou azitromicina e claritromicina, se a alergia for do tipo 1. Nos casos mais graves, na criança com alergia, está indicada a ceftriaxona que deve ser administrada em três doses, em dias consecutivos. É importante lembrar que, por ser antibiótico de amplo espectro, seu uso está reservado para casos muito especiais.
Deve-se informar aos familiares que a persistência de secreção na orelha média após um episódio de OMA é freqüente. Algumas vezes, a secreção pode perdurar por meses e deve, portanto, ser monitorada.
Corticosteróides, anti-histamínicos, descongestionantes ou terapia alternativa não devem ser utilizados para o tratamento da OMA.

 Bibliografia recomendada:
1. American Academy American Academy of Pediatrics – Clinical Practice Guideline. Diagnosis and Management of Acute Otitis Media. Subcommittee on Management of Acute Otitis Media. Pediatrics 2004; 113:1451-1465
2.      Chonmaitree T, Revai K, Grady JJ, Clos A, Patel JA, Nair S, Fan J, Henrickson KJ . Viral upper respiratory tract infection and otitis media complication in young children. Clin Infect Dis 2008; 46:815-23.
3.      Coker TR, Chan LS, Newberry SJ. Limbos MA, Suttorp MJ, Shekelle PG, Takata GS. Diagnosis, microbial epidemiology, and antibiotic treatment of acute otitis media in children. A systematic review. JAMA  2010; 304: 2161-9.
4.      Hoberman A, Paradise JL, Rockette HE, Shaik N, Wald ER et al. Treatment of acute otitis media in children under 2 years of age.N Eng J Med 2011;364:105-15.
5.      Rovers MM, Glasziou PP, Appelman CL et al. Antibiotics for acute otitis media: a meta-analysis with individual patient data. Lancet 2006; 368:1429-35.
6. Tähtinen PA, Laine MK, Huovinen P, Jalava J, Ruuskanen O  et al. A placebo-controlled trial of antimicrobial treatment for acute otitis media. N Eng J Med 2011;364:116-26.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Cetoacidose Diabética (CAD)


Helena Müller

Definição de CAD: presença de hiperglicemia  (glicose > 200 mg/dl)  e acidose metabólica (pH<7,3 e BicNa<15 mEq/L).

É a principal causa de hospitalização em crianças com Diabetes Mellitus (DM) tipo I. Ocorre em  até 20-40% das crianças e adolescentes no momento do diagnóstico de DM tipo I.  A mortalidade situa-se entre 0,2 e 0,5% e é devida principalmente à ocorrência de edema cerebral, que é a complicação mais grave e mais temida da CAD.

Os principais fatores precipitantes são o uso inadequado de insulina e as infecções (presentes em 30-40% dos casos), e em menor frequência problemas emocionais, pancreatite e trauma.
Os achados clínicos principais são cetonemia, cetonúria, acidose metabólica, hiperglicemia e desidratação, em graus variados de intensidade de acordo com a gravidade do quadro.

O diagnóstico na maioria dos quadros não é difícil, com uma história de poliúria, polidipsia, enurese, perda de peso de algumas semanas que evolui para um quadro de náuseas, vômitos, anorexia, dor abdominal e fadiga. Ao exame físico o paciente apresenta sinais de desidratação, respiração acidótica (Kussmaul), depressão do sensório e hálito cetônico. 
Algumas vezes o quadro não é tão típico, a queixa pode ser somente taquipnéia pela acidose e pode ser confundido com doença respiratória. Outras vezes alteração do sensório é o principal achado clínico, e deve haver uma suspeição clínica para que se possa fazer o diagnóstico correto. É importante lembrar que em todo paciente com alteração de nível de consciência que procura atendimento deve ser realizado hemoglicoteste (HGT).

As alterações laboratoriais encontradas são: gasometria com  pH <7,30 e HCO3 <15; glicemia > 250-300 mg/dl; cetonemia e cetonúria positivas. Hipocalemia e hipofosfatemia são frequentes devido à poliúria. A hiponatremia é dilucional associada ao aumento da osmolaridade causada pela hiperglicemia e consumo de líquidos diluídos. Também ocorre o que chamamos pseudohiponatremia que é a queda de 1,6 mEq/l (até 2,4) no sódio sérico para cada 100mg/dl de glicose acima de 100mg/dl. Leucocitose com desvio à E também é frequente e não necessariamente está associada a infecção.

Monitoração e Tratamento: Todo paciente com CAD deve ser internado em UTI ou Sala de Emergência.  A  avaliação laboratorial inicial deve incluir gasometria, hemograma, glicemia, cetonemia, eletrólitos, uréia, creatinina e cetonúria.  HGT deve ser realizado de 1/1 hora durante infusão de insulina contínua. Deve ser feito controle de diurese e BH e controle de cetonúria a cada micção. É importante monitorização cardiovascular e respiratória contínuas e avaliação do sensório cada hora nas primeiras 12 h.

Os objetivos de tratamento são a correção da desidratação e dos distúrbios eletrolíticos; a interrupção da produção de cetonas e redução da glicemia com uso de insulina; a correção da acidose metabólica através da hidratação e insulinoterapia;  avaliação e tratamento do fator desencadeante e monitorização e tratamento das potenciais complicações.

Inicialmente deve ser infundido  SF 0,9% 10-20 ml/kg em 30-60 min para expansão, que deve ser repetido somente se hipotensão ou choque. A reidratação deve ser feita em 24-48 horas. O volume recomendado é 2000 a 2500 ml/m2/dia, inicialmente com SF e K 40 mEq/L. Glicose deve ser adicionada quando glicemia atingir 250, manter solução isotônica. Recomenda-se não administrar volume superior a 3500 ml/m2/dia nas primeiras 24 horas.

A insulinoterapia deve ser iniciada logo após a expansão, com 0,1 U/kg/hora.  A redução da glicemia deve ser 75-100 mg/dl/h. A glicemia recomendada durante o tratamento é 150-200 mg/dl.

Os critérios para suspensão da insulina contínua são: pH > 7,30, Bicarbonato > 15 e paciente em condições de ser alimentado.

O uso de bicarbonato de sódio não é recomendado, não há evidências de benefícios e pode estar associado a efeitos adversos: hipocalemia, aumento da hiperosmolaridade, acidose paradoxal no SNC, redução mais lenta da cetonemia e possível relação com desenvolvimento de edema cerebral. Pacientes com acidose grave (pH<6,9) talvez possam se beneficiar do uso cauteloso de BicNa  - 1-2 mEq/kg lento em 2 horas.

A complicação mais grave da CAD é o edema cerebral. A incidência é de 0,3-1% dos episódios de CAD, com mortalidade de 40-90%. É mais freqüente em crianças < 5 anos e nos pacientes com diagnóstico “novo” de DM e ocorre geralmente 4-12 horas após o  início do tratamento. Existe pouco entendimento sobre os mecanismos responsáveis  pelo edema cerebral. Os seguintes fatores de risco foram relatados:  alterações rápidas na concentração de sódio e osmolaridade sérica durante o tratamento,  uso de bicarbonato, uso de volumes superiores a 4000 ml/m2/dia, acidose grave, baixos níveis de pCO2 na admissão, uréia elevada e idade < 5 anos.  Clinicamente ocorre alteração de consciência, alteração no padrão respiratório, bradicardia e hipertensão arterial. As alterações tomográficas são tardias. O tratamento deve ser iniciado imediatamente diante da suspeita clínica. A droga de escolha é o manitol. Infelizmente a mortalidade é alta.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Hipotermia Terapeutica


Renato S. Procianoy *

INTRODUÇÃO
A técnica de hipotermia tem sido utilizada na última década como um tratamento adjuvante nos recém-nascidos com idade gestacional igual ou maior que 35 semanas de idade gestacional com encefalopatia hipóxico-isquêmica.
Há pelo menos 10 estudos clínicos randomizados descritos na literatura que sugerem uma diminuição na mortalidade e na ocorrência de disabilidades neurológicas graves nos pacientes com encefalopatia hipóxico-isquêmica tratados com a técnica de hipotermia (1-10). Em quatro destes estudos clínicos randomizados, o número de pacientes envolvidos foi superior a 200 (1,2,5,10).
Estudo de meta-análise dos resultados destes estudos mostrou que diminui em 19% o risco de morte e/ou acometimento neurológico aos dois anos de idade e aumenta a sobrevida sem paralisia cerebral em 53% (11). Resultados semelhantes tem sido mostrado nos pacientes acompanhados até 5 e 7 anos de idade que foram submetidos à hipotermia terapêutica (12).
Desta forma, na recente atualização do programa de reanimação neonatal, há uma recomendação formal de uso de hipotermia terapêutica no tratamento precoce do recém-nascido com idade gestacional igual ou maior que 35 semanas com encefalopatia hipóxico-isquêmica.

MECANISMO DE AÇÃO
A lesão cerebral secundária à hipóxia-isquemia se dá em duas fases separadas por um breve período de latência. Na primeira fase, quando há a fase aguda de hipóxia e isquemia, ocorre necrose neuronal por deprivação de oxigênio. Após a reanimação e a reperfusão do Sistema Nervoso Central há um breve período de latência que não dura mais que 6 horas, seguido pela fase tardia que se caracteriza pela apoptose neuronal. Essa fase tardia dura por vários dias e a sua intensidade será a maior responsável pelo neurodesenvolvimento futuro deste recém-nascido.
Sugere-se que a hipotermia aplicada no período de latência, portanto, nas primeiras seis horas inibe os mecanismos de lesão do Sistema Nervoso Central decorrentes da fase tardia da encefalopatia hipóxico-isquêmica (13,14).

MODO DE FAZER
Existem duas formas de aplicar a hipotermia terapêutica: de corpo inteiro ou seletivo da cabeça. Ambas apresentam resultados satisfatórios.
Em nosso meio temos utilizado a hipotermia de corpo inteiro. A seguir descrevemos o protocolo utilizado:

Indicação:
Preencher ambos os critérios:
1.Evidência de asfixia perinatal:
gasometria arterial de sangue de cordão ou na primeira hora de vida com pH <7,0 ou BE<-16
ou história de evento agudo perinatal (descolamento abrupto de placenta, prolapso de cordão)
ou escore de Apgar de 5 ou menos no 10º minuto de vida
ou necessidade de ventilação além do décimo minuto de vida
e
2. Evidência de encefalopatia moderada a severa antes de 6 horas de vida: convulsão, nível de consciência, atividade espontânea, postura, tônus, reflexos e sistema autonômico.

Contra-indicação:
Idade gestacional menor que 35 semanas e 0/7 dias
Peso de nascimento menor que 1800 gramas

Procedimento:
Esfriamento:
Pré-esfriar o colchão a 4ºC
Amaciar o termômetro em água morna
Colocar o recém-nascido num berço desligado
Colocar o termômetro no esôfago
Ajustar a temperatura do paciente em 33,5ºC
Colocar um lençol entre o colchão e o paciente
Movimentar o paciente a cada 2 horas para evitar lesão cutânea
Tempo total de tratamento é 72 horas

Reaquecimento:
Após 72 horas o paciente é lentamente aquecido
Aumentar a temperatura corpórea 0,5ºC por hora até chegar até 36,5ºC temperatura corpórea
Sinais vitais a cada 30 minutos durante o reaquecimento
Após o paciente alcançar a temperatura de 36,5ºC, retirar o colchão e reposicionar o paciente na incubadora.

Monitorização:
Temperatura do colchão, pele e esofagiana deve ser monitorizada a cada hora nas primeiras 12 hora e depois de 4 em 4 horas
Monitorização cardíaca, saturação e PAM invasiva
Sinais vitais a cada 15 minutos por 4 horas, a cada hora por 8 horas e cada 2 horas até o final do esfriamento.
Monitorização da diurese
Glicose, uréia, creatinina, cálcio, magnésio, TP, KTTP, TGO, TGP e eletrólitos no início, Glicose, uréia, creatinina, cálcio, magnésio, TP, KTTP e eletrólitos com 24, 48 e 72 horas após o início da hipotermia. Esses pacientes tem risco para hiponatremia. É recomendável manter o sódio sérico no limite superior
Gasometria arterial no início, 24, 48 e 72 horas
Hemograma e plaquetas no início, 24,48 e 72 horas. Manter as plaquetas acima de 50.000
Controlar a ingesta e a excreta

Prescrição básica
PICC, Cateter de artéria umbilical e veia umbilical.
NPO
Ingesta hídrica 50 ml/kg/dia TIG 5 mg/kg/min com 1 g/kg aminoácido no primeiro dia e aumentar 1 g/kg/dia se a criança estiver urinando e a acidose estiver melhor
Morfina EV contínua na dose 5 a 10 mcg/kg/hora
Ampicilina e gentamicina (se necessário) em doses habituais
Drogas vasoativas em caso de necessidade em doses habituais

CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES
1. Para o uso de hipotermia terapêutica não há necessidade do paciente estar em ventilação mecânica
2. Hipertensão pulmonar e uso de óxido nítrico inalatório não são contra-indicações para o uso de hipotermia terapêutica
3. Bradicardia com freqüência cardíaca entre 80 e 100 bpm é comum e não necessita tratamento
4. Se o paciente apresentar hipotensão arterial deve se fazer uso de drogas inotrópicas
5. O uso de antibióticos é indicado no caso de haver diagnóstico de infecção neonatal
6. Se houver plaquetopenia (<50.000/mm3) deve fazer transfusão de concentrado de plaquetas.
7. O reaquecimento tem que ser lento. Podem surgir crises convulsivas durante o procedimento de hipotermia e principalmente no processo de reaquecimento. Em caso de crises convulsivas, o paciente deve ser tratado com drogas anticonvulsivantes, inicialmente, com fenobarbital: dose de ataque de 20 mg/kg EV e manutenção de 5 mg/kg/dia em duas doses diárias.

BIBLIOGRAFIA
1. Azzopardi DV, Strohm B, Edwards AD, Dyet L, Halliday HL, Juszczak E, et al. Moderate hypothermia to treat perinatal asphyxial encephalopathy. N Engl J Med 2009;361:1349-58.
2. Gluckman PD, Wyatt JS, Azzopardi D, Ballard R, Edwards AD, Ferriero DM, et al. Selective head cooling with mild systemic hypothermia after neonatal encephalopathy: multicentre randomised trial. Lancet 2005;365:663-70.
3. Eicher DJ, Wagner CL, Katikaneni LP, Hulsey TC, Bass WT, Kaufman DA, et al. Moderate hypothermia in neonatal encephalopathy: efficacy outcomes. Pediatr Neurol 2005;32:11-7.
4. Shankaran S, Laptook A, Wright LL, Ehrenkranz RA, Donovan EF, Fanaroff AA, et al. Whole-body hypothermia for neonatal encephalopathy: animal observations as a basis for a randomized, controlled pilot study in term infants. Pediatrics 2002;110:377-85.
5. Shankaran S, Laptook AR, Ehrenkranz RA, Tyson JE, McDonald SA, Donovan EF, et al. Whole-body hypothermia for neonates with hypoxic-ischemic encephalopathy. N Engl J Med 2005;353:1574-84.
6. Robertson NJ, Nakakeeto M, Hagmann C, Cowan FM, Acolet D, Iwata O, et al. Therapeutic hypothermia for birth asphyxia in low-resource settings: a pilot randomised controlled trial. Lancet 2008;372:801-3.
7. Simbruner G, Mittal RA, Rohlmann F, Muche R, neo.nEURO.network Trial participants. Systemic hypothermia after neonatal encephalopathy: outcomes of neo.nEURO.network RCT. Pediatrics 2010; 126:e771-e778.

8. Lin ZL, Yu HM, Lin J, Chen SQ, Liang ZQ, Zhang ZY. Mild hypothermia via selective head cooling as neuroprotective therapy in term neonates with perinatal asphyxia: an experience from a single neonatal intensive care unit. J Perinatol. 2006;26:180-4.

9. Akisu M, Huseyinov A, Yalaz M, Cetin H, Kultursay N. Selective head cooling with hypothermia suppresses the generation of platelet-activating factor in cerebrospinal fluid of newborn infants with perinatal asphyxia. Prostaglandins Leukot Essent Fatty Acids. 2003 ; 69:45-50.

10. Jacobs SE, Morley CJ, Inder TE, Stewart MJ, Smith KR, McNamara PJ, et al. Whole-body hypothermia for term and near-term newborns with hypoxic-ischemic encephalopathy: a randomized controlled trial. Arch Pediatr Adolesc Med. 2011;165:692-700.

11. Edwards AD, Brocklehurst P, Gunn AJ, Halliday H, Juszczak E, Levene M, et al. Neurological outcomes at 18 months of age after moderate hypothermia for perinatal hypoxic ischaemic encephalopathy: synthesis and meta-analysis of trial data. BMJ. 2010; 340:c363.

12. Shankaran S. Do Neuroprotective Effects of Whole Body Hypothermia for Neonatal Hypoxic-Ischemic Encephalopathy Persist to Childhood?apresentado no 2011 PAS meeting em Denver, USA

13. Pfister RH, Soll RF. Hypothermia for the treatment of infants with hypoxic-ischemic encephalopathy. J Perinatol. 2010;30 Suppl:S82-7.

14. Higgins RD, Raju T, Edwards AD, Azzopardi DV, Bose CL, Clark RH, et al. Hypothermia and other treatment options for neonatal encephalopathy: an executive summary of the Eunice Kennedy Shriver NICHD workshop. J Pediatr. 2011;159:851-858.e1.

* Prof. Titular de Pediatria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Chefe do Serviço de Neonatologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre
Presidente do Departamento de Neonatologia da SBP

Mononucleose Infecciosa

Fabrízio Motta

A classificação da Mononucreose Infecciosa (MI) é ampla e difícil. Podemos classifica-la de acordo com os vários tipos de apresentação conforme a tabela abaixo:

 
Os achados clínicos da MI clássica são pelo menos 3 dos seguintes: faringite exsudativa, linfadenopatia generalizada, esplenomegalia, edema facial malar e fadiga. O achado hematológico é a presença de linfocitose atípica de pelo menos 5% no esfregaço de sangue periférico. A alteração sorológica é a presença de anticorpos heterofilos.
Mononucleose infecciosa e a Infecção pelo Vírus do Epstein-Barr (EBV) não devem ser encaradas como sinônimos, pois frequentemente infecção pelo EBV não resulta em MI clássica, e na Mononucleose-like outros agentes podem estar implicados.
Diagnóstico clínico: podemos dividir a MI em 3 fases: a fase prodrômica que dura de 2-5 dias com mal estar , fadiga e febre. A segunda fase (fase aguda) com febre, dor de garganta, mal estar e fadiga. Apresenta no exame linfoadenopatia e tonsilofaringite (50% dos casos). A febre costuma ocorrer ao entardecer e a noite e dura em torno de 1 -2 semanas, em alguns casos dura ate 4-5 semanas. A linfoadenopatia ocorre em mais de 90% dos casos, geralmente cervical anterior e posterior, mas pode ser generalizada incluindo inclusive linfonodos supraclaviculares. A tonsilofaringite da MI pode mimetizar Infecção por Streptococcus pyogenes, mas em pacientes menores de 3 anos esta bactéria é raríssima. Ocorre também esplenomegalia (50% dos casos, sendo mais frequente em crianças menores) e hepatomegalia (60% dos casos nas crianças pequenas), edema em torno dos olhos (sinal de Hoagland), icterícia, dor abdominal leve, cefaléia, rash (15% dos casos em crianças, chega a 30% em adultos), mas o uso de ampicilina ou amoxicilina nestes casos pode desencadeá-lo, principalmente em adultos. A terceira fase (fase de resolução) leva em torno de 3-4 semanas. A organomegalia pode persitir por 1-3 meses, a fadiga resolve em 3-4 semanas
Alterações laboratoriais: linfocitose atípica (ver quadro 1) e aumento de transaminases.
Diagnóstico sorológico: O diagnóstico pode ser feito através de slide test, como o monoteste, que tem elevada especificidade para mononucleose por EBV. O problema é sua baixa sensibilidade, com valor preditivo negativo de 82%, muitas vezes necessitando de mais de um teste para confirmar o achado. Slide test negativo não exclui a doença e se a suspeita for forte, deve-se seguir a investigação para EBV, e ampliar para outras causas de mononucleose (ex: ver quadro 2). O slide test aparece mais frequentemente em pacientes entre 10 e 29 anos de idade. Em pacientes com MI confirmada, o teste foi positivo em: 1% dos pacientes com menos de 4 anos, 5% nos menores de 10 anos, e em 3% dos maiores de 30 anos. O slide test é falso-negativo em 25% dos casos na primeira semana, 5-10% na segunda semana e em 5% na terceira semana. Nos paciente menores de 10 anos e em naqueles em que o slide test é negativo mas em ambos a suspeita é forte deve-se pesquisar os anticorpos específicos para EBV.
A investigação de EBV pode ser realizada através da pesquisa de anticorpos específicos contra o vírus. Uma analogia com um típico doce de criança (M&Ms de amendoim). Em que a cobertura do doce é o antígeno do capsídeo viral (viral capsid antigen-VCA). Você sente o gosto primeiro, então os anticorpos IgG ou IgM (anti-VCA) são os primeiros a serem formados após infecção pelo EBV. A próxima camada que você sente é o chocolate, que representa o antígeno precoce do EBV (early antigen-EA), os anticorpos (anti-EA) aparecem então em segundo lugar. Por último o amendoim, que representa o antígeno do núcleo do EBV (Esptein-Barr nuclear antigen- EBNA). Os anticorpos contra EBNA (anti-EBNA) aparecem por último.
O anti-VCA IgM aparece rapidamente e some em 80% dos casos em 3 meses. Os anticorpos anti-VCA IgG (pico em 3 meses) e anti-EBNA (pico após 1 mês) persistem por toda a vida, enquanto que os anti-EB some após 6-9 meses.
Contágio: O período de incubação muito amplo, variando de 30 a 50 dias. A transmissão é feita através do contato próximo, por isso em adolescentes a MI clássica é chamada de “doença do beijo”. Além disso, acredita-se que o vírus pode ser transmitido de 9 dias antes dos sintomas até 6 meses após.
 
Tratamento e prevenção: Doença geralmente autolimitada onde o repouso é o único tratamento necessário. O uso de corticoides por 6 a 10 dias pode ser útil em pacientes com doença grave, ou seja, naqueles pacientes com obstrução importante da via aérea. O aciclovir não tem indicação de uso nos casos comuns de infecção pelo EBV em imunocompetentes, principalmente porque a sintomatologia é mais dependente da resposta do hospedeiro que ação direta do vírus.

Complicações: Apesar de rara, a ruptura espontânea do baço pode ocorrer nas primeiras duas semanas da doença quando ele estiver aumentado. Rupturas tardias estão associadas a trauma em um baço ainda aumentado. O retorno as atividades não atléticas devem ser guiadas pela vontade do paciente, mas o retorno as atividades físicas deve ser guiada por ultrassom abdominal, e somente liberadas após o baço retornar ao normal. Obstrução da via aérea superior devido ao aumento das tonsilas pode ocorrer. A hepatite clínica é vista em 5% dos casos, e subclínica em 20-40%.
As complicações do sistema nervoso central ocorrem nos casos graves, são autolimitadas e reversíveis e incluem meningite asséptica, encefalite e Síndrome de Guillain-Barré. Outras complicações também raras incluem: anemia hemolítica autoimune, trombocitopenia, síndrome hematofagocítica, orquite e miocardite. A síndrome da fadiga crônica é outra complicação da infecção pelo EBV.

Diagnóstico diferencial: Monucleose-like (ver quadro 2), HIV, leucemia aguda, outras causas de faringite (Streptococcus pyogenes e vírus respiratórios). Com a não resposta de uma suspeita de amigdalite a amoxicilina deve-se então imediatamente pensar em MI, e em último caso em resistência bacteriana.

Recorrência da infecção pelo EBV: a infecção ativa crônica pelo EBV é rara e deve conter três dos abaixo: doença grave com mais de 6 meses de duração, achado histológico de envolvimento de algum órgão (pneumonite, hepatite, hipoplasia da medula óssea, uveíte) e demonstração de antígenos ou DNA do EBV nos tecidos. 

Referências
1.      Manual of Childhood Infections – The Blue Book. Mike Sharland, 3 ed, Oxford, 2011.
2.      Pediatric Infectious Diseases: A Problem-Oriented Approach. Randall G Fisher and Thomas G. Boyce, 4 ed, Lippincott Williams & Wilkins, 2005.
3.      Feigin and Cherry´s Textbook of Pediatric Infectious Diseases, 6th edition, 2009.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Apendicite Aguda

Gastão Mello Silva

A apendicite aguda é a patologia cirúrgica abdominal mais freqüente na infância. Sua prevalência é tão alta que pode-se dizer que ao fazermos o diagnóstico da apendicite aguda estaremos aptos a diagnosticar qualquer outra patologia abdominal na infância (1).

Várias causas de dor abdominal podem simular o quadro clínico da apendicite aguda na infância.
A adenite mesentérica pode causar dor abdominal com defesa e irritação peritonial. O diagnóstico diferencial é geralmente feito por exames de imagem.

A pneumonia de base do pulmão direito pode ter dor referida na fossa ilíaca direita, e o diagnóstico, além do exame físico, é normalmente feito pelo RX de tórax.

A gastroenterite aguda também é uma causa freqüente de dor abdominal. Seu diagnóstico é feito pela presença de diarréia, que também pode ocorrer na apendicite aguda, e pelo aumento do peristaltismo intestinal, audível na ausculta do abdome e também visto na ecografia abdominal.

Crianças constipadas podem ter dor abdominal que algumas vezes lembram quadro de apendicite aguda. Devemos considerar que crianças constipadas também podem ter apendicite aguda associada ao quadro de constipação. Nestes casos podemos tratar inicialmente a constipação com esvaziamento do conteúdo intestinal e repetir o exame físico  buscando o diagnóstico de apendicite aguda.

Outras causas de dor abdominal que devem ser lembradas no diagnóstico diferencial da apendicite aguda, embora menos freqüentes, são a úlcera duodenal, hepatite, cólica biliar, pancreatite, doença de Crohn, pielonefrite, cálculo renal ou ureteral e patologias dos ovários e anexos.

O processo inflamatório do apêndice cecal evolui do quadro flegmonoso, inicial, para o quadro supurado, com necrose e perfuração da parede do apêndice. Após a perfuração a apendicite evolui para peritonite, que pode permanecer localizada na fossa ilíaca direita ou atingir toda a cavidade abdominal, caracterizando um quadro de peritonite difusa.

Os sintomas iniciais são dor epigástrica que migra em algumas horas para a fossa ilíaca direita. A migração da localização da dor é característico do quadro de apendicite aguda. Acompanhando a dor o paciente apresenta anorexia, náuseas, vômitos, e, em alguns casos, diarréia. A diarréia pode estar associada a apendicite perfurada com abscesso.

Os achados do exame físico são dor à palpação da fossa ilíaca direita com defesa e sinais de irritação peritonial. O paciente apresenta hipertermia em torno de 38 graus centígrados, rigidez e dor do músculo psoas à extensão do membro inferior direito, e também rigidez e dor do músculo obturador na rotação e mobilização da coxa dirieta.  Também pode apresentar dor referida na fossa ilíaca direita à palpação do quadrante inferior  esquerdo do abdome, que denominamos Sinal de Rovsing.

Os achados laboratorias são hemograma com leucocitose e desvio à esquerda e exame qualitativo de urina alterado com presença de leucócitos.

Embora o diagnóstico possa ser realizado apenas pela anamnese e exame físico, normalmente utiliza-se exames de imagem para confirmação ou elucidação de casos duvidosos. O ultrassom é o principal exame no diagnóstico da apendicite aguda. O diagnóstico é feito pela visualização do apêncice como uma estrutura tubular não compressível, aperistáltica e com diâmetro superior a 6 mm. Outros sinais sugestivos são espessamento e atonia de alças intestinais adjacentes ao apêndice, coleção líquida pericecal e presença de líquido livre ou na pelve e goteira parieto cólica direita.

O ultrassom apresenta elevada taxa de especificidade (95%) e sensibilidade ( 89%) e seu uso foi impactante na investigação de crianças com dor abdominal (2). Seu uso precoce na investigação da dor abdominal diminui o número de internações em salas de observação nas emergências, reduzindo custos e prevenindo internações desnecessárias (3).

Em casos selecionados, quando a indicação cirúrgica não estiver estabelecida, pode-se utilizar a tomografia computadorizada do abdome. Recentemente a literatura tem mostrado risco de neoplasia e efeitos teratogênicos relacionado a este  exame em crianças, sugerindo o uso do ultrassom (4).

Logo após estabelecido o diagnóstico de apendicite aguda inicia-se antibioticoterapia intravenosa, antes da realização da cirurgia. Normalmente inicia-se com Gentamicina e Metronidazol em esquema profilático, nos casos de apendicite aguda com apêndice íntegro, não perfurado. Nos casos de apendicite aguda com perfuração associa-se Ampicilina e mantem-se os tres antibióticos em esquema terapêutico até a resolução da peritonite.

A cirurgia deve ser realizada via laparoscópica independente da fase da apendicite aguda, presença ou não de peritonite e idade do paciente. A via laparoscópica apresenta várias vantagens em relação à via convencional no tratamento cirúrgico da apendicite aguda, especialmente em pacientes obesos e adolescentes do sexo feminino (5).

Bibliografia
1. Cope Z. Appendicitis and the differencial diagnosis of acute appendicitis. In: Silen W. Cope’s Early Diagnosis of the Acute Abdomen, Oxford University Press, 1991. New York.
2. Dilley A, et al. The impact of ultrasound examination on the management of children with suspected appendicitis: a 3-year analysis. J Ped Surg, 2001, 36.
3. Vainrib M. Buklan G, Gutermacher M, Lazar L, Werner M, Rathaus V, Erez I. The impact of early sonographic evaluation on hospital admissions of children with suspected acute appendicitis. Pediatr Surg Int; 2011, 27(9): 981-4.
4. Adibe OO, Amin SR, Hansen EN, Chong AJ, Perger L; Keijzer R, Muensterer OJ, Georgeson KE,  Harmon CM. An evidence-based clinical protocol for diagnosis of acute appendicitis decreased the use of computed tomography in children. J Pediatr Surg; 2011. 46(1): 192-6.
5. Sauerland S, Jaschinski T, Neugebauer EAM. Laparoscopy versus open surgery for suspected appendicitis. Cochrane Review, 2012, Issue 1.

A apendicite aguda é a patologia cirúrgica abdominal mais freqüente na infância. Sua prevalência é tão alta que pode-se dizer que ao fazermos o diagnóstico da apendicite aguda estaremos aptos a diagnosticar qualquer outra patologia abdominal na infância (1).
Várias causas de dor abdominal podem simular o quadro clínico da apendicite aguda na infância. 
A adenite mesentérica pode causar dor abdominal com defesa e irritação peritonial. O diagnóstico diferencial é geralmente feito por exames de imagem.
A pneumonia de base do pulmão direito pode ter dor referida na fossa ilíaca direita, e o diagnóstico, além do exame físico, é normalmente feito pelo RX de tórax.
A gastroenterite aguda também é uma causa freqüente de dor abdominal. Seu diagnóstico é feito pela presença de diarréia, que também pode ocorrer na apendicite aguda, e pelo aumento do peristaltismo intestinal, audível na ausculta do abdome e também visto na ecografia abdominal.
Crianças constipadas podem ter dor abdominal que algumas vezes lembram quadro de apendicite aguda. Devemos considerar que crianças constipadas também podem ter apendicite aguda associada ao quadro de constipação. Nestes casos podemos tratar inicialmente a constipação com esvaziamento do conteúdo intestinal e repetir o exame físico  buscando o diagnóstico de apendicite aguda.
Outras causas de dor abdominal que devem ser lembradas no diagnóstico diferencial da apendicite aguda, embora menos freqüentes, são a úlcera duodenal, hepatite, cólica biliar, pancreatite, doença de Crohn, pielonefrite, cálculo renal ou ureteral e patologias dos ovários e anexos.
O processo inflamatório do apêndice cecal evolui do quadro flegmonoso, inicial, para o quadro supurado, com necrose e perfuração da parede do apêndice. Após a perfuração a apendicite evolui para peritonite, que pode permanecer localizada na fossa ilíaca direita ou atingir toda a cavidade abdominal, caracterizando um quadro de peritonite difusa.
Os sintomas iniciais são dor epigástrica que migra em algumas horas para a fossa ilíaca direita. A migração da localização da dor é característico do quadro de apendicite aguda. Acompanhando a dor o paciente apresenta anorexia, náuseas, vômitos, e, em alguns casos, diarréia. A diarréia pode estar associada a apendicite perfurada com abscesso.
Os achados do exame físico são dor à palpação da fossa ilíaca direita com defesa e sinais de irritação peritonial. O paciente apresenta hipertermia em torno de 38 graus centígrados, rigidez e dor do músculo psoas à extensão do membro inferior direito, e também rigidez e dor do músculo obturador na rotação e mobilização da coxa dirieta.  Também pode apresentar dor referida na fossa ilíaca direita à palpação do quadrante inferior  esquerdo do abdome, que denominamos Sinal de Rovsing.
Os achados laboratorias são hemograma com leucocitose e desvio à esquerda e exame qualitativo de urina alterado com presença de leucócitos. 
Embora o diagnóstico possa ser realizado apenas pela anamnese e exame físico, normalmente utiliza-se exames de imagem para confirmação ou elucidação de casos duvidosos. O ultrassom é o principal exame no diagnóstico da apendicite aguda. O diagnóstico é feito pela visualização do apêncice como uma estrutura tubular não compressível, aperistáltica e com diâmetro superior a 6 mm. Outros sinais sugestivos são espessamento e atonia de alças intestinais adjacentes ao apêndice, coleção líquida pericecal e presença de líquido livre ou na pelve e goteira parieto cólica direita.
O ultrassom apresenta elevada taxa de especificidade (95%) e sensibilidade ( 89%) e seu uso foi impactante na investigação de crianças com dor abdominal (2). Seu uso precoce na investigação da dor abdominal diminui o número de internações em salas de observação nas emergências, reduzindo custos e prevenindo internações desnecessárias (3).
Em casos selecionados, quando a indicação cirúrgica não estiver estabelecida, pode-se utilizar a tomografia computadorizada do abdome. Recentemente a literatura tem mostrado risco de neoplasia e efeitos teratogênicos relacionado a este  exame em crianças, sugerindo o uso do ultrassom (4).
Logo após estabelecido o diagnóstico de apendicite aguda inicia-se antibioticoterapia intravenosa, antes da realização da cirurgia. Normalmente inicia-se com Gentamicina e Metronidazol em esquema profilático, nos casos de apendicite aguda com apêndice íntegro, não perfurado. Nos casos de apendicite aguda com perfuração associa-se Ampicilina e mantem-se os tres antibióticos em esquema terapêutico até a resolução da peritonite.
A cirurgia deve ser realizada via laparoscópica independente da fase da apendicite aguda, presença ou não de peritonite e idade do paciente. A via laparoscópica apresenta várias vantagens em relação à via convencional no tratamento cirúrgico da apendicite aguda, especialmente em pacientes obesos e adolescentes do sexo feminino (5).
Bibliografia
1. Cope Z. Appendicitis and the differencial diagnosis of acute appendicitis. In: Silen W. Cope’s Early Diagnosis of the Acute Abdomen, Oxford University Press, 1991. New York. 
2. Dilley A, et al. The impact of ultrasound examination on the management of children with suspected appendicitis: a 3-year analysis. J Ped Surg, 2001, 36.
3. Vainrib M. Buklan G, Gutermacher M, Lazar L, Werner M, Rathaus V, Erez I. The impact of early sonographic evaluation on hospital admissions of children with suspected acute appendicitis. Pediatr Surg Int; 2011, 27(9): 981-4.
4. Adibe OO, Amin SR, Hansen EN, Chong AJ, Perger L; Keijzer R, Muensterer OJ, Georgeson KE,  Harmon CM. An evidence-based clinical protocol for diagnosis of acute appendicitis decreased the use of computed tomography in children. J Pediatr Surg; 2011. 46(1): 192-6. 
5. Sauerland S, Jaschinski T, Neugebauer EAM. Laparoscopy versus open surgery for suspected appendicitis. Cochrane Review, 2012, Issue 1.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Bronquiolite Viral Aguda (BVA)


Elenara da Fonseca Andrade Procianoy, MD
Pneumologia Pediátrica

BVA é uma doença de etiologia viral, com características sazonais (outono, inverno e início da primavera) e que acomete as vias aéreas inferiores de crianças menores de 2 anos. Os sintomas iniciam nas vias aéreas superiores (coriza hialina, tosse e febre) e progridem ao longo de 2 a 4 dias para tosse, sibilância, taquipnéia e graus variáveis de disfunção respiratória. Estes sintomas refletem a disseminação do vírus da nasofaringe para o epitélio bronquiolar, causando uma reação inflamatória linfocítica peribronquiolar com necrose do epitélio, edema da submucosa e descamação celular. Em decorrência da diminuição do clearence pulmonar ocorre acúmulo de muco e de restos celulares com obstrução da via aérea distal, o que repercute clinicamente como presença de sibilos e/ou crepitantes, hiperinsuflação ou formação de áreas de atelectasia pulmonar.
                              Vários vírus estão envolvidos na etiologia da BVA isolados ou em infecções mistas. Durante o período epidêmico o Vírus Sincicial Respiratório (VSR) é o principal agente da BVA (em torno de 80% a 90% dos casos).  Demais agentes envolvidos são vírus influenza, parainfluenza, adenovirus, rinovirus, metapneumovírus e coronavírus, os quais costumam aparecer ao longo de todo o ano. Acredita-se que nas regiões temperadas e frias 100% das crianças tiveram contato com o VSR até completar o segundo ano de vida e cerca de um terço delas apresentarão infecção respiratória inferior. Presença de infecções mistas é descrita em 6% a 30% das amostras de crianças hospitalizadas. A associação mais frequente encontrada é entre VSR e metapneumovirus ou rinovirus. O papel das infecções mistas sobre a gravidade da BVA é ainda controverso. As infecções pelos vírus não garantem imunidade permanente ou prolongada e as reinfecções são comuns durante uma mesma estação, levando a um aumento expressivo das consultas médicas nos consultórios e emergências pediátricas durante os meses de inverno e inicio da primavera.
                              BVA é a causa mais comum de infecção do trato respiratório inferior e principal causa de hospitalização de crianças menores de 2 anos de idade. A evolução da BVA é geralmente benigna. Estima-se que 1 a 3% dos lactentes com BVA necessita de internação hospitalar. Entre os lactentes internados 5 a 15% serão admitidos em UTIP com uma razoável parcela necessitando de suporte ventilatório. Nos últimos anos, observou-se um grande declínio na mortalidade dos lactentes com BVA submetidos a VM, situando-se hoje entre 1 e 8%.
                              O diagnóstico da BVA é clínico e baseado na anamnese e no exame físico. A freqüência respiratória em geral está aumentada e podem estar presentes sinais de sofrimento respiratório como gemido, batimento de asas do nariz e retrações intercostais e/ou subcostal e cianose. A febre pode estar ausente ou ser baixa; febre mais alta pode corresponder à pneumonia associada, embora febre tão alta quanto 40ºC possa ser encontrada em alguns casos de BVA. Apnéia pode ser o sintoma inicial em lactentes muito jovens, prematuros ou lactentes de peso muito baixo, especialmente nos casos por VSR.
                              O curso clínico da maioria dos casos de BVA é benigno e auto-limitado com resolução dos sintomas em menos de 2 semanas. Entretanto, alguns casos podem ter um curso clínico mais protraído, com duração média da doença de 15 dias a 21 dias.                                                 Fatores de risco associados a BVA grave incluem a idade menor de 12 semanas, prematuridade, doença cardíaca congênita, doença pulmonar crônica por displasia pulmonar ou anomalias congênitas do aparelho respiratório, imunodeficiência congênita ou adquirida, fibrose cística e desnutrição. Mais recentemente, estudos sobre a presença de polimorfismos em genes associados a resposta imune e remodelamento da via aérea tem sido associada a BVA grave. Fatores ambientais como presença de tabagismo, especialmente da mãe, presença de irmãos em idade escolar ou em creches, aglomeração intra-domiciliar e pobreza também são associados a maior gravidade.
                              Sinais clínicos que sugerem bronquiolite grave e necessidade de internação hospitalar são: dificuldade para ingestão oral (menos de 50% da ingesta hídrica usual nas 24 horas antecedentes), letargia, história de apnéia, freqüência respiratória maior que 70 mpm, presença de batimento nasal e/ou gemido, tiragem grave, cianose e saturação de oxigênio < 90%.
                              Exames radiológicos e laboratoriais não são indicados de rotina e devem ser reservados na suspeita de comorbidades, complicação associada ou dúvida diagnóstica. Os achados no RX de tórax são variáveis e inespecíficos e incluem: hiperinsuflação, infiltrado intersticial, espessamento peribrônquico e atelectasias sub ou segmentares. Aparentemente, as alterações presentes no RX de tórax não estão associadas com a gravidade e podem induzir ao uso inadequado de antibióticos.
                              Testes de identificação viral têm sensibilidade e especificidade variáveis conforme o momento epidemiológico. Seu valor preditivo é geralmente bom durante o pico da estação e vai diminuindo gradativamente. Tem maior importância para as medidas de isolamento de pacientes internados, uma vez que o curso clínico é similar para a maioria dos vírus que causam BVA.
                              O tratamento da BVA é sintomático. As melhores práticas clínicas recomendam cuidados de suporte como o principal tratamento da BVA. Estes cuidados incluem: oxigenação adequada, manutenção da via nasal por higiene e aspiração, e manutenção da ingesta hídrica e alimentar. Lactentes que apresentam bronquiolite leve e sem fatores de risco podem ser liberados para tratamento domiciliar. Deve-se orientar higiene nasal freqüente com soluções nasais infantis, sem vasoconstritor, seguido de aspiração com pêra de aspiração nasal, se necessário. Manter a alimentação usual para idade, especialmente o leite materno. Usar antitérmicos se febre. Lactentes com bronquiolite mais grave ou de risco podem ser atendidos na sala de emergência e hospitalizados conforme a evolução. Higiene nasal com aspirações freqüentes, manutenção de oxigenação adequada e das necessidades hídricas e nutricionais são medidas de suporte fundamentais para o conforto do paciente. Oxigênio suplementar deve ser instalado se a saturação transcutânea da hemoglobina (SatHb) for persistentemente inferior a 90% ou surgirem sinais de insuficiência respiratória. A SatHb deve ser mantida acima de 90%. Oxigenioterapia pode ser descontinuada caso a SatHb mantenha-se maior ou igual a 90% em ar ambiente, a criança esteja se alimentando bem e tenha mínimos sinais de desconforto respiratório. Insuficiência respiratória grave requer suporte ventilatório em unidade de tratamento intensivo.
               Uso de antibióticos não é recomendado de rotina, pois infecção bacteriana raramente acompanha a BVA e seu uso não influencia o curso da doença.
                              Vários estudos com broncodilatadores têm sido realizados na tentativa de diminuir a gravidade ou a hospitalização por bronquiolite, mas o que se sabe até o momento é que os benefícios demonstrados atingem um pequeno percentual dos lactentes com bronquiolite. As recomendações atuais não indicam seu uso de rotina, porém reiteram que um teste terapêutico pode ser realizado em pacientes com antecedentes pessoais ou familiares de atopia e mantido caso tenha se mostrado benéfico. Parâmetros para avaliar a efetividade do broncodilatador incluem melhora na sibilância, freqüência respiratória, esforço respiratório e SatHb. Na ausência de melhora clinica o tratamento deve ser suspenso. As evidências atuais favorecem o uso de adrenalina por nebulização em salas de emergência, devido aos resultados de dois grandes estudos de impacto no Canadá e Estados Unidos. Os resultados mostraram que a adrenalina por nebulização (adrenalina 1:1000,  3ml por nebulização, 2x, 20/20 minutos) no 1ª dia de tratamento da BVA moderada a grave reduziu a admissão hospitalar em 33% dos casos, quando comparado com placebo e que quando associada a dexametasona oral reduziu a hospitalização em 35% entre os dias 1 e 7 de doença. Entretanto, estes resultados necessitam ser confirmados e o perfil de segurança das drogas melhor estabelecido até que se indique o tratamento como rotina. Devido a falta de estudos, curta duração de ação e potenciais efeitos adversos a adrenalina não deve ser usada a nível domiciliar e o salbutamol pode ser o broncodilatador escolhido para teste em consultório, com observação e reavaliação por até 2 horas após sua administração.
               O uso de corticoterapia sistêmica ou inalatória nos casos de bronquiolite continua não sendo indicado de rotina. Vários estudos não encontraram impacto clínico significativo, embora ainda permaneça a dúvida se pacientes com antecedentes de atopia se beneficiam com o tratamento.
                              O uso de solução salina por nebulização com oxigênio parece ser o único tratamento que mostra benefícios para os pacientes com BVA durante a internação, com redução do tempo de internação nos pacientes hospitalizados por bronquiolite e dos escores clínicos de gravidade nos primeiros três dias de tratamento. Estes resultados positivos devem ser encarados com cuidado, sendo necessários mais estudos envolvendo um número maior de pacientes. Questões quanto à melhor concentração da solução salina a ser empregada, volume da solução, freqüência das nebulizações e duração do tratamento permanecem em aberto. Três estudos utilizaram nebulizações com 4ml de SS3% cada 8 horas e dois estudos nebulização cada 2 horas por 3 doses, cada 4 horas por 5 doses e cada 6 horas ate a alta hospitalar.
                              Anti-virais como a ribavirina não estão indicados de rotina pelo seu alto custo e toxicidade, embora alguns centros o utilizem para os casos graves e em imunodeprimidos   
                              Novos medicamentos como o DNAse e anti-leucotriênios já foram utilizados, mas os resultados não mostraram benefícios.