sábado, 29 de setembro de 2012

Gastroenteropatias Eosinofílicas

As doenças digestivas eosinofílicas são doenças inflamatórias, caracterizadas pela infiltração de eosinófilos no trato digestório, na ausência de etiologia conhecida de eosinofilia. A infiltração eosinofílica pode ocorrer em um, ou em vários segmentos do tubo digestivo e, assim, várias formas da doença podem ser observadas como: esofagite eosinofílica (EoE), gastrite eosinofílica, enterite eosinofílica, gastroenterite eosinofílica (GE) e colite eosinofílica (CE).

Até o momento, a etiologia e a fisiopatologia dessas entidades não foram completamente elucidadas. Provavelmente, resultam da produção local exacerbada de citocinas em resposta a alérgenos alimentares, aeroalérgenos ou outros antígenos ainda não identificados.

Sabe-se que existe uma associação dessas doenças com a atopia, bem como a participação de aeroalérgenos e de antígenos alimentares na patogênese dessas desordens, que cursam com predomínio da resposta Th2. Em geral os pacientes apresentam eczema e/ou alergia alimentar nos primeiros meses de vida, podendo haver progressão para rinite alérgica e asma na infância1.  A associação com doenças atópicas, a sensibilização a alimentos e casos semelhantes na família são aspectos observados em 80%, 62% e 16% dos pacientes, respectivamente2. A variação sazonal dos sintomas sugere a participação de aeroalérgenos na etiologia da doença. 

Na última década, tem ocorrido um aumento na incidência das doenças eosinofílicas primárias, com provável predileção por pacientes pediátricos, embora possa acometer todas as faixas etárias.  
Eosinófilos no trato digestório e doenças eosinofílicas

Em condições normais, o trato gastrointestinal é o único órgão não hematopoiético, que contém eosinófilos em todos os segmentos, com exceção do esôfago, que caracteristicamente não apresenta eosinófilos.  A maior concentração de eosinófilos é observada no ceco e no cólon ascendente. Ainda não é conhecido o número exato, que pode ser considerado normal, de eosinófilos, nos diferentes segmentos do tudo digestivo.

Gastroenterite eosinofílica

A gastroenterite eosinofílica é uma condição rara, associada a um infiltrado eosinofílico no trato gastrointestinal, que pode ocasionar uma variedade de sintomas. Como os achados da história clínica e do exame físico não são específicos, o diagnóstico exige alto grau de suspeição. O diagnóstico depende dos achados histológicos (infiltrado eosinofílico) e da exclusão de outras causas de eosinofilia secundária.

A GE apresenta maior prevalência nos pacientes portadores de outras condições atópicas como asma, rinite alérgica, dermatite atópica e alergias alimentares.

As manifestações clínicas dependem do segmento do trato GI acometido, da extensão e da profundidade das lesões teciduais. O estômago é o órgão mais frequentemente envolvido (43% dos casos) e o paciente pode apresentar quadro sugestivo de obstrução da via de saída gástrica.  Quando ocorre acometimento do intestino delgado, as manifestações clínicas mais frequentes são: dor abdominal, diarreia, má-absorção e mais raramente obstrução intestinal.

O infiltrado eosinofílico pode acometer apenas uma ou todas as camadas da parede do órgão (mucosa, muscular e/ou serosa), podendo-se associar a edema e fibrose da parede.  Na dependência da extensão e profundidade, podem ocorrer manifestações variadas incluindo dor abdominal, náusea, vômitos, diarreia, anemia, sangramento, enteropatia perdedora de proteínas e ascite.   Pode-se observar eosinofilia periférica em alguns pacientes. Alterações no exame radiológico podem ocorrer em 60% dos casos e incluem irregularidades na superfície do antro gástrico e/ou espessamento das pregas circulares e da parede do intestino delgado ou estenoses.  As alterações endoscópicas, mais comuns na forma de acometimento mucoso, são: eritema, friabilidade da mucosa, erosões, úlceras, espessamento de pregas, nodularidade e pseudopólipos. A grande dificuldade diagnóstica é definir o grau de eosinofilia que define o diagnóstico de GE. Em geral, considera-se a presença de mais de 20 eosinófilos na lâmina própria/CGA compatível com o diagnóstico de GE.  Outro achado importante consiste na infiltração eosinofílica das glândulas gástricas e das criptas intestinais.  

O tratamento da GE é similar ao descrito na EoE. Os testes alérgicos podem ser úteis para direcionar a dieta de restrição e evitar a exposição aos antígenos. A diferença é que nos pacientes portadores de GE a dietoterapia parece ser menos eficaz.  O tratamento farmacológico baseia-se no uso esteróides tópicos ou na corticoterapia sistêmica.  Os estabilizadores de mastócitos e os antagonistas dos leucotrienos também têm sido utilizados, bem como os anti-IL-5 com resultados variáveis.

Colite eosinofílica

 A colite eosinofílica tem maior prevalência em neonatos e lactentes menores, sendo uma causa comum de enterorragia nesse grupo de pacientes.

O leite de vaca e as proteínas da soja são os alimentos mais frequentemente envolvidos na forma infantil da colite alérgica, embora essa condição tenha sido descrita em lactentes em uso de leite materno exclusivo ou em uso de hidrolisado proteico.   A forma mais comum é a colite do lactente em aleitamento materno, sensibilizado pelas proteínas do leite de vaca, que passam através do leite materno.

O diagnóstico baseia-se nas alterações histológicas (infiltrado eosinofílico no cólon), no entanto diante da suspeita clínica, a resposta satisfatória à dieta de exclusão pode ser suficiente em pacientes que não apresentem sinais ou sintomas de maior gravidade. Os eosinófilos podem ser observados em condições normais no cólon, com concentração variável conforme a região. Não existe consenso sobre ponto de corte do número de eosinófilos no cólon para diagnóstico de CE, mas a maioria dos autores aceita > 20/CGA. O diagnóstico diferencial deve ser feito com outras causas de eosinofilia secundária no cólon, como: infestação parasitária, reação alérgica induzida por drogas, doença inflamatória intestinal, doenças do colágeno, entre outras. 

Em lactentes, em geral, há melhora com a retirada do alérgeno da dieta, em crianças maiores e adultos pode haver necessidade uso de corticoterapia para melhorar, mesmo que por curto período. 

 Cristina Helena Targa Ferreira


quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Esofagite eosinofílica

Esofagite eosinofílica (EoE)  é uma entidade clinicopatológica, que se caracteriza por apresentar  sintomas similares aos da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) e infiltrado eosinofílico no epitélio esofágico. EoE é uma doença emergente no mundo inteiro, como documentada em muitos países. Há dúvidas se a EoE é uma nova doença ou uma nova classificação de uma desordem esofágica antiga.

As novas evidências promovem dados, mostrando que a EoE parece ser um processo imunológico, dirigido por antígenos, com múltiplos caminhos patogênicos. Uma nova definição conceitual foi proposta, apresentando a EoE como uma doença crônica, imunomediada, caracterizada clinicamente por sintomas relacionados à disfunção esofágica e histologicamente por inflamação eosinofílica.

Os sintomas da EoE são também observados em pacientes com esofagite péptica crônica, mas ao contrário da DRGE, a EoE é associada com pHmetria normal, ocorre mais frequentemente em homens (75 a 80%), parece ter uma incidência familiar aumentada e associação com doenças atópicas.  Afeta todos os grupos etários, mas foi descrita primeiramente em crianças.    Os estudos recentes mostram que cada vez mais se diagnostica  EoE em crianças e em adultos, mas a real epidemiologia da doença é desconhecida.   Dados epidemiológicos indicam que EoE é atualmente a segunda causa de esofagite crônica, depois da DRGE, e causa  frequente de disfagia.

A EE pode ocorrer em qualquer idade, e tem predominância no sexo masculino (2 - 4:1), sem que saiba a causa dessa maior incidência em meninos. Disfagia, impactação alimentar (comida que tranca e fica parada no esôfago)  e vômitos são os sintomas mais comumente observados, principalmente em adolescentes e pré-adolescentes. Em crianças menores, os sintomas podem ser variáveis e subjetivos como recusa alimentar, náuseas, vômitos, dor abdominal e/ou torácica, tosse crônica e broncoespasmo. O quadro clínico é muito similar ao da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE), podendo haver também achados endoscópicos e histológicos semelhantes.

Grande parte dos pacientes é portadora também de asma ou de broncoespasmo, ou  outras manifestações alérgicas, como rinite e dermatite atópica.

Sugere-se um  componente genético potencial , além da predominância em homens, pois é mais frequente em caucasianos e tem muitos casos familiares. . Descrevem-se agrupamentos familiares, mas o locus exato de suscetibilidade ainda não é conhecido.

É mais frequente nas áreas urbanas do que nas rurais.  A prevalência da  EoE é bastante variável na população adulta; sendo alta nos pacientes com disfagia, baixa em estudos populacionais e intermediária entre pacientes não-selecionados, que são submetidos à endoscopia. O aumento de prevalência é provavelmente similar ao que ocorreu com outras doenças atópicas, como asma e dermatite atópica.

O aumento dramático da prevalência da  EoE nas últimas décadas, fornece dados aos clínicos para explicar casos em que a comida tranca e para no esôfago (impactação alimentar), disfagia, azia, dor torácica, vômitos e dor abdominal, antes não esclarecidos.

De acordo com os guidelines, a EoE só pode ser diagnosticada por endoscopia e biópsias, com o achado de 15 ou mais  eosinófilos por campo de grande aumento (cga) de tecido esofágico, depois de tratamento agressivo para DRGE.  Não pode haver eosinofilia em outros locais, somente localizada no esôfago.

A esofagogastroduodenoscopia (EGD)  com biópsias  e o exame histológico da mucosa esofágica são requeridas para estabelecer o diagnóstico de EoE, verificar a resposta ao tratamento, assessorar a remissão da doença, documentar e dilatar estenoses e avaliar recorrência dos sintomas. São necessárias biópsias de estômago e duodeno que devem ser normais, sem eosinofilia.

Endoscopias repetidas com biópsias são necessárias para monitorar a progressão da doença, assim como a eficácia do tratamento.

O tratamento clínico tem sido empírico, incluindo o uso de corticóides tópicos, antagonistas de receptores dos leucotrienos, dietas de eliminação (fórmulas de aminoácidos) ou dietas de restrição (exclusão de grupos de alimentos da dieta)

Em geral, existem dois tipos  de tratamento: dieta ou medicamentos. O tratamento da EoE, na maioria das crianças, é baseado em dieta elementar ou na eliminação de um ou de vários antígenos alimentares. A dieta pode ser elementar, com fórmula de aminoácidos, pode ser exclusão dos 6 alimentos mais alergênicos (leite, soja, ovo, frutos do mar, nozes , trigo) ou pode ser dieta dirigida por testes de alergia.

Nas crianças mais velhas e nos adultos, o tratamento usualmente envolve corticoides tópicos. A monitorização do tratamento requer endoscopias seriadas com biópsias esofágicas.
Houve alguns estudos randomizados e controlados, investigando qual é o melhor tratamento para EoE, mas há uma falta de dados para esclarecer qual é a história natural da doença e o que acontece em longo prazo com os pacientes não tratados. A história natural ainda não está bem definida, mas os estudos de mais longo prazo têm mostrado um curso persistente ou recorrente em mais de 90% dos casos de EoE.

As opções devem ser tomadas de acordo com cada caso, levado em consideração a resposta ao tratamento, as atopias e as características de cada paciente. A visão multidisciplinar da doença é fundamental devido às suas frequentes associações com doenças atópicas. É essencial coordenar o trabalho do gastroenterologista com o alergista e, envolver, quando há restrições alimentares , o nutricionista.

Cristina Helena Targa Ferreira

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Bases do Tratamento Quimioterápico



Profa Dra Cecília Fernandes Lorea *

O câncer infantil é uma doença rara que corresponde a, aproximadamente, 3% de todos os cânceres, mas é a primeira causa morte por doença em crianças maiores de 1 ano de idade. Pela raridade, atualmente, os tratamentos são desenvolvidos em protocolos de grupos cooperativos internacionais que estudam em conjunto as bases fisiopatológicas de cada neoplasia e desenvolvem esquemas de tratamento utilizando terapia multidroga e multimodal.
A quimioterapia foi introduzida para tratamento da leucemia na infância na década de 40. Desde então o prognóstico das crianças com câncer têm melhorado dramaticamente, aumentando para 78% a taxa de sobrevida global de uma doença que, na era pré quimioterapia era uniformemente fatal. Assim, a terapia multimodal que integra cirurgia, radioterapia e quimioterapia foi incorporada no tratamento das neoplasias infantis. Com a melhora da sobrevida, estudos visando reduzir efeitos colaterais da terapia antineoplásica, utilizando-se mais dos diversos agentes quimioterápicos e reduzindo dose e indicações de radioterapia e diminuindo necessidade de cirurgias mutiladoras com uso pré cirúrgico das drogas.
As drogas anticâncer são usadas na infância nas diversas vias de administração: endovenosa, subcutânea, intramuscular, oral entre outras. As drogas como metotrexate, citarabina e tiotepa podem também ser utilizadas por administração intratecal e desta forma previnem e tratam infiltração neoplásica do sistema nervoso central, diminuindo uso de radioterapia em crânio e neuroeixo em doenças como linfoma e leucemia.
A estratégia de erradicação do câncer é baseada no modelo de sucesso que é a cura das infecções bacterianas. Ela visa explorar as diferenças entre o câncer e as células normais do hospedeiro, e erradicar todas as células cancerígenas do corpo. Este paradigma teve um impacto profundo na descoberta, desenvolvimento e desenho dos tratamentos antineoplásicos.
As primeiras drogas usadas e seus mecanismos de ação foram identificados após a verificação clínica de melhora da doença, portanto a maioria é citotóxica não seletiva e produz toxicidade substancial. Apesar dos avanços na pesquisa básica terem promovido vários “insights” sobre a patogênese do câncer infantil, a maioria das drogas utilizadas possuem mecanismos de ação não seletivos que tem com alvo macromoléculas (ex. DNA) ou rotas metabólicas criticas para proliferação celular, tanto das células malignas como das normais, produzindo um efeito citotóxico severo indesejado.


Mecanismo de ação das diversas drogas antitumor (baseado em figura Pizzo e Popplack, 5a Edição, 2006)

Para explicitar os mecanismos de ação dos quimioterápicos utilizados separamos eles em grupos. São eles:
·        Agentes alquilantes (ex. Ciclofosfamida, Ifosfamida, Cisplatina): são quimicamente reativos a compostos que lesam o DNA. Através de pontes e ligações cruzadas com as nucleobases, bloqueio da síntese de antimetabólitos ou incorporando bases fraudulentas ao DNA impedem sua duplicação, com consequente parada na proliferação celular.
·        Antimetabólitos (ex. Metotrexate, Mercaptupurina, Citarabina): são análogos estruturais de cofactores vitais ou intermediários das rotas de biosíntese do DNA e do RNA, produzindo um produto defeituoso que causa bloqueio da reprodução celular.
·        Antibióticos antitumor (ex. Doxorrubicina, Belomicina): são produtos naturais que foram originalmente isolados de uma variedade de microorganismos que se ligam avidamente ao DNA por intercalação, entrando no interior da dupla hélice do DNA clivando-a e religando-a, causando, assim, destruição celular.
·        Produtos de plantas (ex. Vincristina, Etoposide, Topotecam): derivados de plantas e suas toxinas com mecanismo de ação complexo que foram parcialmente definidos agindo como inibidores mitóticos ou causando quebras no DNA ou agindo com radiosensibilizador.
·        Outros agentes com mecanismos de ação diversos que agem como drogas antineoplásicas. Temos com exemplo os corticosteróides que devem ser usados com muito cuidado na prática diária, pois podem agir promovendo remissão não duradoura da neoplasia diminuindo, assim, chance de cura por recidiva precoce devido à terapia ineficaz. Outras drogas também foram incorporadas ao tratamento antineoplásico como: Asparaginase (derivado da Escherichia coli ou Erwinia carotovara) usado na leucemia linfóide aguda e linfoma linfoblástico; Retinóides usado na leucemia promielocítica (com objetivo de maturar a célula blástica) e no neuroblastoma alto risco; Mesilato de Imatinibe agente com mecanismo de ação contra células que expressam cromossomo Philadelphia.

Outras medicações com atividade antitumor específicas tem sido desenvolvidas como o Rituximab, droga que age contra as células com marcados de superfície CD20. A maioria ainda não foram liberadas para uso nas crianças por serem de descoberta recente.

*Professora Assistente Universidade Federal de Pelotas

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Manejo da Neutropenia Febril




Profa Dra Ângela Rech*
 A neutropenia febril (NF) é uma complicação freqüente entre crianças com câncer que recebem tratamento quimioterápico. Define-se neutropenia como um número de neutrófilos no sangue periférico menor que 1000/mcl, o que ocorre nos primeiros dias do nadir leucocitário, momento em que existe uma tendência à queda nessas contagens . A neutropenia é considerada como o mais importante fator de risco isolado para infecções nesses pacientes. Define-se febre como uma medida da temperatura axilar acima de 38,5˚C, em dois episódios ou mais acima de 38˚C separados pelo intervalo de quatro horas.
 As infecções oportunistas que ocorrem em pacientes pediátricos neutropênicos em tratamento para câncer são causadas por agentes virais, bacterianos ou fúngicos e frequentemente estão associadas à significativa morbidade e mortalidade. Numa série de casos, Landmarck mostrou, de um lado, que as complicações infecciosas e hemorrágicas foram documentadas como sendo as principais causas de mortalidade em pacientes com desordens neoplásicas, particularmente aqueles com doenças hematológicas. Por outro lado, os avanços nos cuidados de suporte nas últimas três décadas têm permitido que a grande maioria dos pacientes se recupere com sucesso após o impacto causado pela quimioterapia citotóxica, radioterapia, intervenções cirúrgicas agressivas e imunossupressão intensa.
Os pacientes neutropênicos febris apresentam com freqüência quebra de barreiras biológicas pela mucosite gastrointestinal e oral determinados pela quimioterapia, permitindo a colonização bacteriana e servindo como foco de infecção e de entrada para invasão sistêmica. Esses pacientes também apresentam alterações na imunidade celular com queda do número e da função das células CD4+ e hipogamaglobulinemia, tornando-os mais vulneráveis a infecções.
Nas décadas de 60, 70 e início dos anos 80, os bacilos gram-negativos foram os maiores responsáveis pelas infecções em pacientes neutropênicos. Os germes mais frequentemente identificados como causadores das infecções eram o Stafilococcus coagulase negativo, Pseudomonas aeruginosa, Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae e Staphylococcus aureus . Entretanto, em mais da metade dos pacientes com febre e neutropenia não se encontra o agente infeccioso . Em meados dos anos 80, o espectro das bactérias causadoras de infecções começou a mudar. Houve um aumento das infecções por gram-positivos, sendo identificados em 60 a 70% das bacteremias como único agente isolado.  As bactérias anaeróbias são menos freqüentes, podendo estar envolvidos em infecções mistas, como gengivites necrotizantes e celulites perianais. Em pacientes com granulocitopenia prolongada e em uso de antibióticoterapia de amplo espectro, deve-se pesquisar toxina para Clostridium dificille, que pode levar a quadros de diarréia, dor abdominal e febre.
As infecções fúngicas assumem grande importância, especialmente naqueles pacientes com neutropenia superior a 2 semanas. Destacam-se a Candida sp, com quadros que variam desde infecções superficiais envolvendo principalmente mucosa oral e esofágica, até fungemias disseminadas e candidíase hepatoesplênica.
É de grande importância o levantamento epidemiológico local pois os agentes variam de instituição para instituição e também podem variar de tempos em tempos em um mesmo local. A escolha de um antimicrobiano empírico deve se basear em estatísticas locais atualizadas.
Os pacientes com NF são manejados em ambiente de internação hospitalar a fim de serem monitorados quanto às complicações clínicas com potencial risco de morte. Embora o manejo hospitalar tenha sido eficaz, tem-se observado que nem todos os pacientes neutropênicos necessitam de cuidados hospitalares, podendo ser manejados em meio ambulatorial. A identificação, portanto, de diferentes fatores de risco em pacientes com neutropenia febril tem tornado possível a investigação de estratégias terapêuticas para pacientes não-hospitalizados.
É necessário instituir um tratamento imediato com antibióticos de amplo espectro para os pacientes neutropênicos febris, pois, na maioria das vezes, os resultados dos exames não são suficientemente rápidos, específicos e sensíveis para identificar a causa do episódio febril. Alguns fatores devem ser considerados na decisão da terapêutica antimicrobiana empírica, incluindo: a) a natureza do regime antimicrobiano (esquemas combinados ou monoterapia); b) a via de administração do tratamento (parenteral, seqüencial, ou seja, de via intravenosa para via oral, ou via oral); e c) o local onde o paciente receberá o tratamento (hospital e/ou domiciliar). Atualmente a monoterapia com antibióticos de amplo espectro vem se tornando uma boa alternativa, como por exemplo, cefalosporinas de terceira e quarta geração com atividade anti-pseudomonas (ceftazidime e cefepime), penicilinas inibidoras de beta-lactamase e carbapenêmicos.
A grande incidência de cocos gram positivos como agentes etiológicos nesta população de pacientes (St aureus meticilina-resistentes, staphylococci coagulase negativos, enterococos e St viridans) sugere o uso de vancomicina, se houver critérios clínicos. Após 48-72 horas do início do uso da vancomicina, se as infecções por gram positivos não forem identificadas, esta deverá ser descontinuada. Se os culturais iniciais forem positivos para gram positivos e o paciente não estiver evoluindo bem ao regime terapêutico inicial, a vancomicina deverá ser adicionada até que o antibiograma possa ser identificado.
O tempo para um neutropênico ficar afebril varia de 2 a 7 dias. O tempo mínimo necessário para avaliar a eficácia do tratamento antimicrobiano é de 3 dias. Pacientes com uma duração da neutropenia superior a 7 dias são considerados de alto risco para provável falência ou modificação do tratamento, como qualquer outro paciente com febre persistente.
Estudos iniciais de Pizzo e colaboradores  identificaram três conjuntos de pacientes cuja febre foi resolvida num período de 7 dias. No primeiro grupo foram aqueles pacientes cuja contagem de granulócitos era maior do que 500 cél/mm³ e que estavam afebris em menos de 7 dias. Nestes casos, a descontinuação dos antibióticos está seguramente indicada, especialmente se a contagem de neutrófilos aumenta rapidamente. No segundo grupo foram aqueles pacientes que estavam estáveis clinicamente no sétimo dia de tratamento, mas que continuam com contagens de neutrófilos abaixo de 500 cél/mm³. A suspensão dos antibióticos, neste grupo de pacientes mostrou falência do tratamento em 41% dos casos. No terceiro grupo os que continuavam afebris e estáveis, mas seguiam em neutropenia no décimo quarto dia após início do tratamento. A suspensão dos antibióticos foi associada a recorrência de febre em um terço destes pacientes. Os grupos dois e três receberam no mínimo sete dias de antibióticos. Nestes casos, devemos proceder a reavaliação do paciente antes da descontinuação do tratamento.
Quanto ao uso de antibióticos via oral, temos muitas recomendações na literatura, mas o uso de quinolonas tem sido apontada como uma escolha racional devido ao amplo espectro de ação antimicrobiana e excelente tolerabilidade. A ciprofloxacina tem excelente atividade contra Escherichia coli, Staphylococcus aureus meticilina-sensível, Staphylococcus coagulase negativo, Klebsiella pneumoniae, Acinetobacter spp, moderada ação contra o Stenotrophomonas maltophilia. A associação da amoxacilina ao espectro de ação da ciprofloxacina mostrou um aumento de ação terapêutica anti-estreptocócica e maior cobertura contra germes gram positivos . Park et al. (2003) publicaram um estudo usando amoxicilina e ciprofloxacina em regime ambulatorial como continuidade de tratamento hospitalar, após alta precoce, em pacientes pediátricos com NF e obtiveram taxa de sucesso de 87%.

 
*Professora adjunta das disciplinas de Pediatria e Onco-hematologia - Universidade de Caxias do Sul.