quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Constipação intestinal

A constipação é uma condição que apresenta alta prevalência na população pediátrica. Em consultórios de Gastroenterologia Pediátrica é uma das três queixas mais frequentes, juntamente com a dor abdominal e o refluxo gastroesofágico. A constipação intestinal pode alterar a qualidade de vida do paciente e de sua família e pode influenciar no comportamento do paciente e na dinâmica familiar. Definições A constipação intestinal é caracterizada pela presença de eliminação de fezes duras, em cíbalos, seixos ou cilíndricas com rachaduras; dificuldade ou dor para evacuar; eliminação de fezes calibrosas, que entopem o vaso sanitário; e/ou frequência de evacuações inferior a 3 vezes por semana (exceto em recém-nascidos e lactentes em aleitamento natural exclusivo).

Os critérios de Roma III estabelecem que o diagnóstico da constipação funcional nos recém-nascidos, lactentes e pré-escolares (crianças até 4 anos), baseia-se na presença de dois ou mais dos aspectos descritos a seguir, presentes por pelo menos 1 mês antes do diagnóstico:
-Duas ou menos evacuações por semana.
-Pelo menos um episódio semanal de incontinência fecal, após a aquisição do controle do esfíncter anal.
-História de retenção fecal.
-Relatos de evacuações dolorosas ou de dificuldade para evacuar.
-Presença de grande quantidade de fezes no reto.
-Eliminação de fezes de grande volume, que podem obstruir o vaso sanitário.

Nos pré-escolares, escolares e adolescentes (crianças maiores de 4 anos), dois ou mais dos critérios descritos, devem estar presentes por pelo menos uma vez por semana, por um mínimo de 2 meses.
Em relação aos distúrbios da defecação, além da constipação funcional, devem ser considerados a incontinência fecal por retenção (“soiling” ou escape fecal), a encoprese e a incontinência fecal relacionada às doenças orgânicas. Existe uma tendência atual de se chamar tudo de encoprese, quando há perda de fezes.

A incontinência fecal por retenção, muitas vezes denominada escape fecal ou “soiling”, ocorre naqueles pacientes com constipação e impactação (retenção) fecal e consiste na eliminação de fezes nas vestes, de modo involuntário. Deve-se enfatizar que o escape fecal é facilmente caracterizado após o quarto ano de vida, isto é, após a aquisição do controle do esfíncter anal. De modo diferente, a encoprese consiste no ato completo da defecação, mas em local e/ou momento inapropriado. Estes casos são, usualmente, secundários aos distúrbios psicológicos.

A incontinência fecal pode ser decorrente de causas orgânicas, como as disfunções neurológicas (meningomielocele) e as anomalias anorretais. Nestes casos, ocorre perda involuntária de fezes sólidas e/ou líquidas, pela incapacidade do paciente controlar a eliminação das fezes.

Nos lactentes, dois distúrbios são comumente confundidos com constipação intestinal: a disquesia e a pseudoconstipação do lactente

A disquesia, comum nos primeiros 6 meses de vida, consiste na eliminação de fezes de consistência normal, antecedida por episódios de esforços, gemidos e choro, por 10 a 20 minutos. Acredita-se que seja decorrente da incapacidade temporária de coordenar o aumento da pressão abdominal com o relaxamento do assoalho pélvico, no momento da evacuação. Este distúrbio da defecação desaparece em algumas semanas, coincidindo com o desenvolvimento do lactente.

A pseudoconstipação do lactente em aleitamento natural, consiste na evacuação de fezes macias, em frequência menor que 3 vezes por semana. 
 
Diagnóstico diferencial

O início precoce (< 03 meses de idade) ou durante aleitamento materno exclusivo, o comprometimento do estado nutricional e a presença de outros sinais e/ou sintomas, sugerem a possibilidade de causas orgânicas.
 No período neonatal, o diagnóstico diferencial deve ser feito com a doença de Hirschsprung, o íleo meconial, as atresias intestinais e as más formações anorretais. Além disso, o diagnóstico de alergia à proteína do leite de vaca deve ser considerado em lactentes que apresentam choro, irritabilidade, distensão abdominal, diarreia ou constipação, “failure to thrive”, vômitos e/ou recusa alimentar. Em crianças mais velhas, é importante a diferenciação entre a CICF e a doença de Hirschsprung de segmento ultracurto.


Tratamento
Nos pacientes com constipação leve e sem complicações associadas, recomenda-se modificações na dieta, corrigindo os erros alimentares, se presentes, e proporcionando uma alimentação saudável, com bom aporte de líquidos e dos alimentos ricos em fibras. Nos lactentes em uso de alimentação artificial deve-se avaliar a possibilidade de constipação decorrente de alergia alimentar, mais frequentemente à proteína do leite de vaca, e a necessidade de teste terapêutico com dietas hipoalergênicas.

Quanto aos hábitos de vida, deve-se estimular as atividades físicas, não adiar as evacuações e recondicionar o hábito intestinal. Neste contexto, as crianças são estimuladas a permanecerem sentadas no vaso sanitário, com apoio fixo para os pés, após as principais refeições, aproveitando o reflexo gastrocólico. Os pacientes com CICF de maior gravidade ou associada a complicações, necessitam tratamento farmacológico, além das orientações da dieta e dos hábitos de vida já descritos.

Quando existe fecaloma, megarreto e/ou escape fecal, o primeiro passo é promover a desimpactação, etapa essencial para o sucesso do tratamento. O esvaziamento retal e o colônico podem ser promovidos por via oral ou retal. Este último, por meio de enemas de soluções fosfatadas, sorbitol, glicerina ou vaselina, por cerca de dois a quatro dias. O uso de enemas aumenta o risco de traumas mecânicos à parede retal e de problemas emocionais. Além disso, os enemas fosfatados podem ocasionar episódios graves e letais de hiperfosfatemia e hipocalcemia, especialmente em nefropatas e nos pacientes com doença de Hirschsprung.

A desimpactação por via oral é uma tendência atual, por evitar manipulações dolorosas em pacientes que já apresentam medo de evacuar. Podem ser utilizadas doses elevadas de óleo mineral e polietilenoglicol. Vale enfatizar que o óleo mineral pode ocasionar pneumonia lipoídica, se aspirado, não sendo recomendado em crianças menores que dois anos, neuropatas e portadores de refluxo gastroesofágico.

O tratamento farmacológico de manutenção baseia-se no uso de laxantes, como o óleo mineral, o leite de magnésia, a lactulose e o polietilenoglicol.

Dos laxantes osmóticos, o hidróxido de magnésio pode ocasionar intoxicação em lactentes, caracterizada por hipermagnesemia, hipofosfatemia e hipocalcemia secundária. Este laxante não deve ser utilizado nos pacientes com insuficiência renal. A lactulose, um dissacarídeo sintético, é bem tolerado por longo prazo, mas pode desencadear flatulência e cólicas. Seu uso em doses elevadas pode provocar hipernatremia. O polietilenoglicol deve ser administrado, preferencialmente sem eletrólitos, pois a apresentação com eletrólitos pode provocar náuseas e vômitos, além de ter menor aceitação pelo paciente. O tratamento da constipação crônica funcional com escape fecal e/ou outras complicações é, em geral, por longo tempo, exigindo terapia de manutenção por cerca de 6 a 24 meses.

Cristina Helena Targa Ferreira

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