terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Manejo Inicial do Choque

Cristiane Traiber

Choque é definido como um conjunto de alterações hemodinâmicas e metabólicas que conduzem a um estado de perfusão tissular reduzida, hipóxia celular generalizada e lesão de órgãos vitais. Pode ser causado por diferentes situações clínicas como sepse, insuficiência cardíaca, trauma e anafilaxia. A sepse grave e o choque séptico estão entre as formas mais comuns de choque, apresentando mortalidade em torno de 10% na população pediátrica. O reconhecimento precoce e a ressuscitação volumétrica agressiva são fundamentais para reduzir a morbi-mortalidade por choque séptico.

O diagnóstico do choque é eminentemente clínico. Sinais e sintomas  observados são: instabilidade térmica (hipotermia/hipertermia), alteração do sensório (irritabilidade, agitação, coma), má perfusão periférica (enchimento capilar > 2 segundos), diminuição do débito urinário (< 1ml/Kg/h), desconforto respiratório (taquipnéia) e hipotensão. Lembrar que a criança pode estar em choque e ainda não apresentar hipotensão. Não esperar por hipotensão para iniciar o tratamento.

Estudos demonstram que a mortalidade no choque aumenta a cada hora sem o tratamento adequado. A terapia inicial do choque séptico é simples e não deve ser postergada no aguardo de exames laboratoriais ou transferência para UTI.

Inicialmente devemos restabelecer a oxigenação e perfusão tecidual adequadas, além de tentar identificar a etiopatogenia do choque.

Os objetivos iniciais do tratamento são:

1. Perfusão periférica < 2 segundos
2. Extremidades aquecidas
3. Pulsos normais (sem diferença entre pulso central e periférico)
4. Débito urinário > 1ml/kg/h
5. Nível de consciência normal
6. Freqüência cardíaca normal para a idade
7. Pressão arterial normal para a idade

Inicialmente deve-se:

• Manter uma oxigenação adequada (saturação oxigênio > 94%) seja através de cateter nasal, máscara ou ventilação mecânica;
• Estabelecer acesso venoso, a via intra-óssea deve ser considerada.
• Iniciar reposição de volume com solução cristalóide isotônica (soro fisiológico ou Ringer Lactato) 20 ml/kg a cada 20 minutos, avaliando sinais clínicos após cada infusão. Observar sinais de sobrecarga hídrica: estertores, ritmo de galope, hepatomegalia;
• Coletar exames para avaliar a repercussão do choque no organismo e tentar identificar o foco infeccioso: hemograma, plaquetas, eletrólitos, função renal, provas de coagulação, hemocultura, lactato. Não esquecer de coletar hemocultura e exame cultural de qualquer sítio suspeito;
• Exames de imagem como RX de tórax e abdômen auxiliam no diagnóstico de infecções associadas como pneumonias, peritonite;
• Antibioticoterapia deveria ser iniciada preferencialmente na primeira hora, levando em consideração o sítio de infecção mais provável, idade da criança, presença de comorbidades e se a infecção é hospitalar ou comunitária;
• RX de tórax no início do tratamento com cardiomegalia levanta a possibilidade de insuficiência cardíaca como causa do choque, especialmente se houver taquicardia, sopro cardíaco, hepatomegalia ou ritmo de galope. Se paciente tiver história de quadro viral recente (sem sintomas cardiológicos prévios) lembrar da hipótese de miocardite viral aguda. Realizar ecocardiograma assim que for possível.
           
Pacientes que não respondem a infusão inicial de volume devem receber infusão de drogas inotrópicas. Dopamina tem sido usada em pediatria como droga de primeira escolha no paciente refratário a volume. Também pode-se iniciar o tratamento com noradrenalina ou adrenalina em infusão contínua. Estas medicações podem ser administradas diluídas em acesso periférico, mas deve ser providenciado acesso central assim que for possível.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Puberdade Precoce



Após termos visto a sequência normal da puberdade no post anterior vamos ver as manifestações da sua precocidade. A puberdade é considerada precoce quando ocorre antes dos 8 anos em meninas e dos 9 anos em meninos. As principais preocupações relacionadas são devido ao déficit de crescimento pela fusão prematura das epífises ósseas e ao desenvolvimento psicológico da criança. A puberdade precoce pode ser dependente ou não do estímulo das gonadotrofinas (LH e FSH). Quando é dependente das gonadotrofinas é a puberdade precoce verdadeira ou central, quando por uma produção autônoma de hormônios sexuais independente de gonadotrofinas é Pseudopuberdade Precoce ou Puberdade Precoce Periférica. Existem ainda variantes do desenvolvimento puberal normal, caracterizadas pelo aparecimento isolado e prematuro dos caracteres sexuais secundários.

Avaliação
Importante colher na história a idade do aparecimento dos caracteres sexuais secundários, o peso e comprimento ao nascer, o uso de alguma medicação, a existência prévia de alguma doença do Sistema Nervoso Central (SNC), a idade da menarca da mãe e da puberdade no pai e em tias paternas. Ver se há casos semelhantes e de baixa estatura na família assim como de hirsutismo.  Além da idade de início dos caracteres sexuais é importante avaliar a velocidade da evolução de um estágio de Tanner para outro.

Usualmente esta evolução demora de 6 a 10 meses entre cada estágio e entre o início da puberdade e a menarca o tempo médio é de 3 anos. A puberdade pode ser, além de precoce, rapidamente evolutiva, passando velozmente de um estágio de Tanner a outro e culminando com a menarca em menos de 1 ano. Determina-se a estatura da criança em relação a sua altura alvo e os estágios de desenvolvimento conforme os critérios de Marshal e Tanner.

Inicia-se a investigação adicional com Raio X de mão e punho para determinação da idade óssea (bem avaliado), ecografia pélvica e exames laboratoriais. Quando há precocidade sexual com estímulo hormonal, independente da etiologia, há avanço da idade óssea em relação à idade cronológica. A ecografia pélvica avaliará o volume uterino, seu aspecto (através das medidas das relações uterinas), o volume dos ovários, a presença e o número de folículos, a presença de endométrio e a circulação de artérias uterinas por doppler e a eventualidade de um tumor ou cisto ovariano. O estradiol basal pode estar baixo, pois tem elevações cíclicas, a testosterona é mais estável e deverá estar elevada quando houver precocidade sexual de origem testicular. Na avaliação basal, além dos hormônios sexuais deve-se avaliar a função da tireóide com TSH e T4 livre, hCG para casos de tumores secretores, os andrógenos adrenais SDHEA e 17 OH progesterona e o LH. Na suspeita de puberdade precoce central o exame de escolha é o teste de estímulo com GnRH, onde se dosam LH e FSH na amostra basal e 30 e 60 minutos após a administração de 75 mcg/ m2 até a dose máxima de 100 mcg de gonadotrofina por via endovenosa. Vários pontos de corte foram validados, mas o atualmente utilizado para a distribuição da medicação pela Secretaria da Saúde é do LH > 5 U/l.

Quando é feito o diagnóstico de Puberdade Precoce Central usualmente avalia-se o SNC por ressonância nuclear magnética.

Puberdade Precoce Central

Tem uma incidência de 1: 5.000- 10.000, sendo muito mais frequente em meninas (3 a 23 X mais). Na maioria das vezes é idiopática (especialmente em meninas), mas pode estar relacionada a tumores do SNC, infecções ou outras patologias neurológicas. É mais comum também em crianças adotadas. Deve-se suspeitar em meninos com volume testicular superior a 3 ml (> ou = a 4 ml) e em meninas com telarca antes dos 8 anos. As crianças apresentam avanço de idade óssea, basais normais ou estradiol e testosterona elevados, teste do GnRH com resposta puberal (pico do LH) e aumento do volume ovariano acima de 1 cm3 com mais de 5 folículos em cada ovário, útero modificando do formato tubular para o formato de pêra e aumento do fluxo uterino ao doppler arterial. A ressonância usualmente é normal, mas pode visualizar um hamartoma hipotalâmico ou outra alteração neurológica.

Telarca Precoce

A telarca precoce é o aumento uni ou bilateral de mamas isolado, sem ser acompanhado de pubarca, menarca, nem avanço da velocidade de crescimento ou da maturação esquelética. Trata-se de uma condição frequente antes dos 2 anos de idade, podendo regredir espontaneamente ou permanecer estável. O Raio X de mão e punho para idade óssea e a ecografia pélvica são os principais exames na avaliação destas crianças. É importante manter um seguimento destas pacientes, pois cerca de 14% podem evoluir para uma precocidade sexual completa.

Pubarca Precoce

Consiste no aparecimento de pelos pubianos antes dos 8 anos em meninas e antes dos 9 anos em meninos. Usualmente é uma variação da normalidade, provocada pela adrenarca (início da secreção de andrógenos adrenais) mais precoce e exarcebada. Porém deve-se excluir hiperplasia adrenal congênita virilizante e outras causas de virilização através da dosagem de andrógenos adrenais e do Raio X de mão e punho para idade óssea. Quando é somente a adrenarca os pelos pubianos podem vir acompanhados de pelos axilares, odor androgênico, comedões, aumento da velocidade de crescimento e discreto avanço da idade óssea, ainda dentro de 2 desvios padrões. Este quadro é mais comum em crianças nascidas pequenas para a idade gestacional (PIG), prematuras e com rápido ganho de peso. As meninas com esta situação clínica têm uma maior incidência na adolescência e vida adulta de hirsutismo e síndrome de ovários policísticos e devem ser acompanhadas clinicamente.

Menarca Precoce Isolada

É uma situação clínica incomum e ainda sem explicação científica. Caracteriza-se por sangramento vaginal isolado antes dos 8 anos de idade, sem outros sinais puberais, sem elevação de estradiol nem de gonadotrofinas, sem avanço da idade óssea e com anatomia de genitais internos e externos normal. Deve-se excluir traumatismo e manipulações.

Puberdade Precoce Independente de Gonadotrofinas



Tratamento da Puberdade Precoce

A Puberdade Precoce Central é tratada com agonistas do GnRH (leuprorrelina, triptorelina, etc) em forma de depósito IM a cada 21 a 84 dias, dependendo da dose e da resposta clínica, radiológica e ecográfica. A manutenção do tratamento usualmente é até 12 anos de idade óssea, ou antes se a clínica indicar.

As puberdades periféricas são tratadas conforme sua etiologia, levotiroxina no hipotireoidismo, corticoterapia na HAC, nas mutações do gene do receptor de glicocorticóides e na insuficiência adrenal primária. A cirurgia é o tratamento de escolha nas causas tumorais. Na testotoxicose e na síndrome de McCune Albright podem ser utilizados agentes progestagênicos (acetato de medroxiprogesterona) e anti-androgênicos (espironolactona e acetato de ciproterona). Na síndrome de McCune Albright utiliza-se também um modulador seletivo do receptor de estrógeno (tamoxifeno) ou inibidores da aromatase (letrozole e anastrazole). É comum a associação de 2 agentes terapêuticos na puberdade precoce independente de gonadotrofinas. Finalmente, as variações do desenvolvimento puberal, como a telarca, pubarca e menarca precoce não tem indicação de tratamento medicamentoso, porém estas crianças devem ser acompanhadas clinicamente e reavaliadas conforme cada caso.

Fonte: Puberdade Normal, Precoce e Atrasada. V Brito, K C M Freitas, E M F Costa, A C Latrônico, B B de Mendonça. Em Endocrinologia. M Saad, R Maciel, B Mendonça. Ed Atheneu 1ª edição


Leila Cristina Pedroso de Paula
Endocrinologista
Endocrinologista Pediátrica
Mestre e Doutora em Endocrinologia pela UFRGS

Puberdade Normal


A puberdade tem início quando o hipotálamo estimula a hipófise a secretar gonadotrofinas (LH e FSH) que por sua vez estimulam os ovários nas meninas e os testículos nos meninos a produzirem os hormônios sexuais (estrogênio e progesterona ou testosterona). Esta maturação do eixo hipotálamo-hipófise-gônadas (HHG) se inicia desde a vida fetal e é influenciada por inúmeros fatores, que determinam o seu início e progressão. As transformações típicas da puberdade iniciam por ação destes hormônios.

Nesta fase desenvolvem-se os caracteres sexuais secundários, ocorre o estirão do crescimento, adquire-se a função reprodutiva e ocorrem várias alterações psicológicas e comportamentais. O desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários é classificado em 5 estágios, desde a infância até a vida adulta, de acordo com os critérios de Marshall e Tanner (vide referência).

Puberdade Normal em Meninas:

Usualmente o primeiro sinal é o surgimento do broto mamário (estágio 2), que ocorre em média aos 10 anos em meninas caucasianas e aos 8,9 anos em afro descendentes. A velocidade normal de progressão entre um e outro estágio é de 6 a 10 meses o que faz com que a menarca ocorra usualmente 3 anos após o início da puberdade. No estágio 3 de Tanner de mamas costuma ocorrer o estirão do crescimento e o alargamento dos quadris. A menarca ocorre no estágio 4, com um volume uterino de 15 a 18 cm cúbicos.

O aparecimento de pêlos axilares e pubianos, de odor androgênico e de acne e comedões depende primariamente dos andrógenos adrenais e ocorre independente da maturação do eixo HHG, podendo ocorrer em qualquer estádio de Tanner.

Assim como os hormônios sexuais agem nas transformações físicas e psicológicas da puberdade, eles também têm influência nas cartilagens de crescimento dos ossos longos, as calcificando e fazendo com que se “fechem”. A média de crescimento de uma menina após a menarca é de 6 centímetros, mas varia de 2 a 12 centímetros conforme sua idade óssea no momento da primeira menstruação, determinada por um Raio X da mão e do punho.

Puberdade Normal em Meninos

No menino a primeira manifestação de puberdade é o aumento do volume testicular. Considera-se um testículo com comprimento maior do que 2,5 cm ou volume a partir de 4 ml no orquidômetro de Pradder  como puberal, isto ocorre na idade média de 11-12 anos. Após desenvolvem-se os pelos pubianos e o crescimento peniano. Os pelos faciais iniciam no estágio 3 de pelos pubianos. O estirão de crescimento costuma ocorrer com 10 ml de volume testicular, em uma idade média de 13 anos.  O ganho de massa muscular costuma ser maior após o término do crescimento, pelo efeito da testosterona.

Conclusão: A puberdade, assim como o aparecimento dos caracteres sexuais secundários segue uma distribuição gaussiana. Ela pode apresentar variações dentro da normalidade como a telarca precoce, a pubarca precoce, o atraso constitucional do crescimento e até mesmo a menarca precoce. Também pode haver alterações patológicas cursando com puberdade precoce ou hipogonadismo, que serão discutidos em outros artigos que serão postados logo a seguir.

Fonte: Critérios de Avaliação da Puberdade Cristiane Kochi em Endocrinologia Para o Pediatra, O Monte, C Longui, L Calliari, C Kochi. 3ª edição.

Leila Cristina Pedroso de Paula
Endocrinologista
Endocrinologista Pediátrica
Mestre e Doutora em Endocrinologia UFRGS

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Infecção urinária em lactentes (2 a 24 meses)*

Dra. Denise Marques Mota

Um dos objetivos principais no diagnóstico adequado de infecção urinária nesta faixa etária é a detecção de malformações importantes do trato urinário que podem causar dano renal e a prevenção de danos renais.  Um correto diagnóstico evita exames desnecessários que causam ansiedade nas famílias e na criança, custos e exposição à radiação. Ao mesmo tempo, é importante não perder uma oportunidade para um diagnóstico mais precoce. A avaliação individualizada de cada paciente é importante, sempre levando em conta o seu histórico anterior e familiar.

A prevalência de infecção urinária (IU)é ao redor de 5% nas crianças com febre de etiologia a esclarecer. Iniciamos a suspeita diagnóstica com alguns dados do paciente (demográficos) e manifestações clínicas que o coloca em risco para uma provável IU: sexo, raça, idade; febre acima de 39º, com duração maior de 24horas, em crianças sem um foco aparente, da raça branca e menor de dois anos de idade devem levantar uma suspeita diagnóstica. A probabilidade de infecção aumenta com o aumento do número de fatores de risco encontrados. Meninos não circuncisados apresentam um risco 4 a 20 vezes maior; a prevalência de IU em meninas febris é duas vezes maior do que em meninos febris.

Ao escolhermos os métodos diagnósticos devemos levar em conta a sensibilidade, especificidade e erros de classificação que podem ocorrer. A coleta de urina deve ser realizada por punção suprapúbica ou cateterismo vesical. Uroculturas com coleta adequada e com crescimento bacteriano de um único uropatógeno acima de 50.000UFC/ml  são indicativas de infecção; no exame bioquímico da urina um nitrito positivo associado com estearase leucocitária positiva aumentam a sensibilidade do teste. A piúria é indicativa de infecção e pode auxiliar no diagnóstico diferencial de bacteriúria assintomática.

O início do tratamento deve ser precoce (em 48horas) e sua duração permanece entre 7 a 14 dias; uso oral ou endovenoso depende da aceitação da criança e da resistência bacteriana. A sensibilidade aos antimicrobianos varia com tempo e área geográfica. Iniciar com uma medicação empírica e ajustar após o resultado do antibiograma se necessário. A realização de urocultura após o tratamento bem sucedido como “prova de cura” não é benéfica e não necessita ser realizada.

Um dos objetivos da avaliação por imagens é o diagnóstico de malformações de trato urinário, sendo que o refluxo vesico-ureteral (RVU) possui uma prevalência de 18 a 35% em quem apresentou um episódio de infecção urinária. O aumento da idade diminui a incidência de refluxo; os refluxos de graus 2 e 3 são os mais frequentes; o risco de recorrência da infecção está associado diretamente ao grau do refluxo. O RVUgrau 5 é  o menos frequente.

Na investigação iniciamos com uma ecografia renal e de vias urinária que, na fase aguda ajuda a detectar complicações infecciosas (abcessos perirrenais ou pionefrose) e serve como um screening de anomalias do trato urinário. O próximo exame depende dos achados da ecografia. Uma cintilografia renal com DMSA avalia o comprometimento do parênquima renal e o diagnóstico de pielonefrite. Se alterada, solicitamos uma uretrocistografia miccional (UCM) e iniciamos com profilaxia se é encontrado um RVU grau 5; se normal, não solicitamos a UCM, pois não utilizamos profilaxia em refluxos menores. Outras indicações de UCM é a recorrência de IU febril, alterações na ecografia sugestivas de RVU  ou obstruções. Não esquecer que a pielonefrite pode ocorrer na ausência de RVU.


*Urinary Tract Infection: Clinical Practice Guideline for the Diagnosis and Management of the Initial UTI in Febrile Infants and Children 2 to 24 Months. Pediatrics Volume 128, Number 3, September 2011.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Citomegalovírus e o RN

Clarissa Gutierrez Carvalho

A infecção primária ocorre em 1-3% das grávidas, com uma taxa de infecção fetal de 30-40%. Permanecerão assintomáticos 80% dos bebês com infecção congênita. Contudo, cerca de 17% dos bebês com CMV sintomático resultam de reativação da doença na mãe. É comum nos bebês com HIV, podendo ser um indicador de progressão rápida da doença, assim é importante a triagem de CMV no bebê exposto ao HIV.

No caso de infecção materna primária documentada, o PCR do líquido amniótico pode determinar se o feto é acometido, contudo o aconselhamento sobre um achado positivo é difícil, pois 85% dos fetos infectados terão apenas doença leve ou serão assintomáticos.

A doença congênita precoce pode se apresentar de modo fulminante, com mortalidade de 30%. Os sinais incluem petéquias, púrpura, hepatesplenomegalia, icterícia, prematuridade e manchas na pele tipo “muffin de blueberry”, que representam hematopoiese extra-medular. Ocorre também anemia, plaquetopenia, aumento de transaminases e da bilirrubina direta - a icterícia pode surgir já ao nascimento ou como uma continuação da fisiológica. Outra forma de apresentação, mais leve, é caracterizada por restrição de crescimento, microcefalia, com ou sem calcificações intracerebrais (classicamente periventriculares) e coriorretinite. A perda auditiva é a sequela mais frequente – e lembrada. A doença pode ser inicialmente assintomática e evoluir com anormalidades de desenvolvimento, perda auditiva, retardo mental, espasticidade motora e microcefalia adquirida.

A infecção perinatal pode se manifestar de 4 a 12 semanas após a contaminação, seja pela exposição intraparto ou por excreção no leite, sangue infectado ou nosocomial. Enquanto anormalidades neurológicas em longo prazo são raramente vistas, uma síndrome de infecção aguda incluindo neutropenia, anemia, hepatoesplenomegalia, linfadenopatia e perda auditiva podem ser encontradas, principalmente em prematuros. O CMV também foi associado a pneumonite em prematuros com menos de 4 meses.

O CMV deve ser suspeitado em qualquer criança com sintomatologia típica ou se história materna de soroconversão ou doença tipo mononucleose na gestação. O diagnóstico é feito com a identificação do vírus por PCR ou cultura em urina, saliva, sangue, secreções respiratórias e a infecção é definida como congênita se dentro das 2 primeiras semanas de vida e perinatal se negativa nas primeiras semanas e positivar após 4 semanas de vida. O sangue pode ser o primeiro a positivar, mas a urina é mais sensível - e se for negativa por 4 semanas, descarta a infecção.  Já a determinação de anticorpos séricos tem limitação, se bem que títulos IgG negativos em mãe e filho são suficientes para excluir infecção. Bebês não infectados apresentam declínio dos títulos dentro de 1 mês e indetectável entre 4 a 12 meses – ao contrário dos infectados, que terão níveis crescentes e surgimento de IgM (ausente ao nascimento).

O paciente deve passar por avaliação oftalmológica, teste auditivo, hemograma, função hepática, eco cerebral - sendo coletado líquor e avaliação com RNM ou TC de crâneo se suspeita diagnóstica se confirmar. O tratamento se dá com ganciclovir quando o paciente é imunocomprometido, mas não há evidências fortes para indicar o tratamento no RN.

Embora o leite materno seja uma fonte comum de infecção perinatal, a infecção sintomática é rara, especialmente em bebês a termo. Assim, a proteção se dá pela passagem de anticorpos IgG transplacentária ou pelo leite. Contudo, não é claro se mães de prematuros menores de 34 semanas devem amamentar sem screening prévio de CMV. 

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Trissomia do cromossomo 21 (síndrome de Down)

 Rafael Fabiano Machado Rosa
Paulo Ricardo Gazzola Zen

Definição

A síndrome de Down é causada pela presença de três cópias do cromossomo 21. Esta pode ocorrer de diferentes formas:

- Trissomia livre do cromossomo 21: esta é a constituição cromossômica mais frequentemente observada em indivíduos com síndrome de Down (mais de 90%). Ela se caracteriza pela presença de um cromossomo 21 adicional inteiro. Exemplo: 47,XX,+21.
- Translocações: estas são observadas em cerca de 5% dos pacientes. As translocações são defeitos estruturais envolvendo o cromossomo 21. Usualmente se constituem das chamadas translocações Robertsonianas (que ocorrem entre cromossomos acrocêntricos, que são aqueles onde o centrômero fica próximo da extremidade do cromossomo – os de número 13, 14, 15, 21 e 22), sendo a mais comum aquela que envolve os cromossomos 14 e 21. Exemplo: 46,XX,der(14;21)(q10;q10),+21.
- Mosaicismo: caracteriza-se pela presença de uma constituição cromossômica composta de mais de uma linhagem celular. Ele é observado em 3% dos casos. Usualmente, verifica-se a presença de uma linhagem celular com trissomia livre do cromossomo 21 e uma linhagem celular normal. Exemplo: 47,XX,+21/46,XX.

Epidemiologia

A síndrome de Down é considerada a trissomia mais frequentemente observada ao nascimento envolvendo cromossomos autossômicos. Sua prevalência é estimada entre 1 para 650 nascidos vivos, sendo que não existe diferença na frequência entre os diferentes grupos étnicos. É importante lembrar que a maior parte dos fetos com síndrome de Down não chega ao nascimento, pois são abortados espontaneamente.

Manifestações clínicas

A síndrome usualmente possui uma apresentação clínica distinta, frequentemente identificada já ao nascimento. Hoje na literatura há a descrição de mais de 100 achados clínicos diferentes, sendo que nenhum deles, contudo, é patognomônico para o diagnóstico. Destacam-se entre eles:

- Craniofaciais: braquicefalia, fendas palpebrais oblíquas para cima, pregas epicânticas, raiz nasal baixa e larga, manchas de Brushfield, orelhas pequenas com sobredobramento dos ramos horizontais das hélices, boca semi-aberta com língua protusa;
- Genitália: pênis pequeno e criptorquidia;
- Membros: mãos pequenas e largas, prega palmar única, clinodactilia de quintos dedos das mãos, aumento do espaço entre primeiro e segundo pododáctilos com prega plantar entre os mesmos;
- Neurológico: hipotonia e retardo de desenvolvimento neuropsicomotor;
- Articular: frouxidão articular/hiperflexibilidade.

Quanto ao envolvimento de órgãos internos, destacam-se as cardiopatias congênitas, em especial os defeitos septais (como a comunicação interventricular e o defeito de septo atrioventricular), que são consideradas uma das principais causas de óbito entre os pacientes com síndrome de Down. Elas são observadas em cerca de metade dos pacientes. Por isso, a avaliação cardiológica é considerada fundamental (especialmente através da ecocardiografia) e deve ser sempre realizada no momento da suspeita ou do diagnóstico clínico da síndrome.

Hipotireoidismo é frequente, sendo que avaliações periódicas da função tireoidiana são recomendadas. A primeira avaliação é realizada já no teste do pezinho. O hipotireoidismo pode ser congênito ou se estabelecer ao longo da vida.

A presença de instabilidade atlantoaxial pode levar a complicações neurológicas graves, como a tetraplegia. Assim, recomenda-se avaliação através da radiografia de coluna a partir do segundo ano de vida.
Pacientes com síndrome de Down frequentemente apresentam anormalidades oftalmológicas (como estrabismo e nistagmo) e otorrinolaringológicas (como otites de repetição e déficit auditivo), sendo que se beneficiam da avaliação através destas especialidades. Eles possuem risco aumentado também de leucemia e doenças respiratórias (como pneumonia).

Malformações gastrointestinais são observadas em 15% dos pacientes e incluem imperfuração anal, doença de Hirschhsprung, pâncreas anular e atresia duodenal. Mais recentemente é descrita na literatura uma associação entre doença celíaca e síndrome de Down.

Uma das principais formas de tratamento consiste da estimulação precoce que, como o nome diz, deveria sempre ser iniciada o mais cedo possível. Ela deve ser individualizada a cada caso.
É importante lembrar que não existe “grau” em síndrome de Down. Ou a criança tem a síndrome ou não. Pacientes apresentando uma constituição cromossômica em mosaico tendem a ter uma apresentação clínica mais branda; contudo, isto não é a regra.

Diagnóstico


    Este usualmente é realizado através do exame de cariótipo a partir de uma amostra de sangue periférico. Este é importante tanto para a confirmação diagnóstica como para o devido aconselhamento genético do paciente e de sua família.

Etiologia e Aconselhamento Genético

    A origem da síndrome de Down, tal como nas demais trissomias, associa-se a uma idade materna avançada (superior a 35 anos). Isto se relaciona ao fenômeno de não-disjunção (separação desigual dos cromossomos) que ocorre principalmente durante a meiose I na gametogênese materna. Isto leva à formação de fetos com trissomia livre do cromossomo 21. Nestes casos, não há indicação de cariotipagem dos pais.
    Anomalias cromossômicas do tipo translocações podem surgir como alterações novas (de novo) ou serem herdadas de um dos pais. Por isso, nestes casos, sempre existe a indicação de avaliação cariotípica dos pais. Por outro lado, o mosaicismo é sempre um evento pós-zigótico.

Hemangiomas - Conceito,Classificação,Diagnóstico e Atualização terapêutica

Ana Elisa Kiszewski Bau  - Dermatologista Pediatra. Vice- Presidente do Departamento de Dermatologia da Sociedade Brasileira de Pediatria. Professora Adjunta de Dermatologia da UFCSPA.

Conceito:
Hemangiomas são lesões cutâneas vasculares onde há um componente proliferativo. Eles são verdadeiros tumores, onde o componente proliferativo está constituído por células endoteliais imaturas. Com base neste conceito, a nomenclatura utilizada hoje segue sendo a sugerida por Mulliken em 1982.  Nela as lesões vasculares planas, não proliferativas (antes chamadas hemangioma plano) passaram a serem chamadas de malformação vascular capilar. Linfangiomas são considerados malformações linfáticas e o hemangioma tuberoso passou a ser chamado hemangioma. Posteriormente, estudos do comportamento biológico dos hemangiomas e marcadores de imunohistoquímica (GLUT1)  possibilitaram a criação da classificação de diferentes tipos de hemangiomas. A classificação mais aceita hoje é a que segue:

Classificação:
1- Hemangioma da infância (HI)
2- Hemangioma congênito RICH e NICH
3- Hemangioma em tufo
4- Hemangioendotelioma kaposiforme
5- Granuloma piogênico

O hemangioma pode ainda ser classificado do ponto de vista de profundidade em superficial, misto e profundo.  Os hemangiomas mistos são os mais prevalentes, e os hemangiomas profundos podem ter uma maior dificuldade diagnóstica, necessitando de exames de imagens (ecodoppler, tomografia computadorizada com contraste, angiotomografia ou angioressonância) para sua avaliação.

O Hemangioma da Infância (HI) é o tipo mais prevalente em crianças menores de 1 ano, afetando 5 a 10% desta população. Tem o marcador GLUT1 (anticorpo monoclonal para imunohistoquímica) positivo. A história natural do hemangioma da infância é característica: O bebê nasce com uma mancha vascular ou esta surge nas primeiras semanas de vida (lesão precursora). A mancha prolifera nas seguintes semanas, tornando-se uma placa ou uma tumoração. A lesão cresce de forma acelerada até aproximadamente o sexto mês de vida. Após este período ocorre a estabilização da lesão que dura até de 1 ano e meio de vida. Após, ocorre um período de regressão que dura até os 10 anos de idade, momento em que  90% dos hemangiomas desaparece completamente. Por isso, a conduta é expectante e conservadora na maioria dos hemangiomas. Por outro lado, se estima que 10 a 20% dos hemangiomas irão necessitar de algum tratamento.

O hemangioma congênito é aquele que apresenta a fase de crescimento intra-útero e a criança nasce com a tumoração. O seu comportamento é diferente do HI . Enquanto que no hemangioma RICH ocorre a rápida involução do hemangioma até o sexto mês de vida, no NICH a involução não ocorre. O hemangioma RICH  e NICH possuem o marcador GLUT1 negativo.
A ulceração ocorre em 15 a 25% dos hemangiomas. Fatores de risco para ulceração incluem: hemangiomas grandes, segmentários com componente superficial, periorificiais e áreas intertriginosas.

HEMANGIOMAS QUE PODEM NECESSITAR DE INVESTIGAÇÃO:
•    Hemangiomas em linha média pequenos ou grandes, estão associados com malformações, disrafismos e hemangiomas em órgãos internos.
•    Hemangiomatose múltipla – cinco ou mais pequenos hemangiomas distribuídos pelo corpo, cabeça e membros. Apresentam risco de hemangioma em órgãos internos  e hipotireoidismo.
•    Hemangiomas segmentares extensos,
•    Síndrome SACRAL (spinal dysraphism, anogenital, cutaneous, renal and urological anomalies, associated with an angioma of lumbosacral localization) Síndromes de PHACE (posterior fossae abnormalities, hemangioma, arterial/aortic anomalies, cardiac anomalies, eye abnormalities and sternal/supraumbilical raphe), PELVIS (perineal hemangioma, external genitalia malformations, lipo myelomeningocele, vesicorenal abnormalities, imperforate anus, and skin tag) e Síndrome de Kasabach-Merrit. 

HEMANGIOMAS QUE SÃO INDICATIVOS DE TRATAMENTO:

Ainda não existe um protocolo padrão para o tratamento de hemangiomas, mas em situações específicas o tratamento deve ser iniciado:
•    Oclusão palpebral – a oclusão palpebral nos primeiros meses de vida pode ocasionar amaurose por falta de estímulo luminoso ou ambliopia.
•    Hemangioma genital/anal- com freqüência crescem e ulceram causando uma úlcera dolorosa, além de perda de tecido e desfiguração estética – Além disso, são em geral complicados por infecção secundária.
•    Hemangioma labial/borda palpebral e conduto auditivo (periorificiais)- com freqüência ulceram causando desfiguração estética.
•    Hemangioma em ponta de nariz (cirano) – crescem muito em volume e causa de forma secundária destruição das cartilagens nasais, Também produz desfiguração estética. Apresenta tendência a regredir muito lentamente e deixam uma deformidade nasal permanente, de difícil correção.
•    Hemangiomas segmentares extensos: Síndrome de PHACE, PELVIS, SACRAL 
•    Hemangiomas de qualquer localização com crescimento acelerado e prejuízo estético significativo
•    Hemangioma congênito NICH. Este hemangioma pode necessitar de tratamento dependendo da localização. A tendência é crescer e não regredir com o passar do tempo.
•    Síndrome de Kasabach-Merrit A maioria dos casos apresenta histologia de hemangioendotelioma kaposiforme ou hemangioma em tufo. A complicação é plaquetopenia (hemangioma seqüestrador de plaquetas), CIVD e morte.
•    Hemangiomas viscerais (hemangiomatose múltipla com envolvimento visceral)- hemangiomas podem estar presentes em fígado e SNC.

TRATAMENTO:

Medicamentos sistêmicos:
Prednisolona: dose 1 a 4 mg/kg/dia tem indicação de uso somente durante a fase proliferativa. Interfere com o calendário de vacinação e pode ocasionar Síndrome de Cushing.
Propanolol:1 a 2 mg/kg/dia. Necessita avaliação cardiológica prévia. Os principais efeitos colaterais são: hipoglicemia, bradicardia, hipotensão e broncoespasmo. Parece aumentar o risco de acidente vascular cerebral em crianças com síndrome de PHACE e anomalias artérias associadas.
Vincristina- hemangiomas agressivos e complicados e que não respondam ao corticóide e propanolol.
Interferon  Alfa- atualmente em desuso pelo risco de diplegia espástica em menores de 1 ano.
Medicamentos tópicos:
Somente terão indicação em hemangiomas superficiais não complicados (não ulcerados): imiquimode creme ( risco de produzir ulceração), corticóide em creme (em ciclos de 1 semana), timolol solução.
Outras modalidades: Laser (pulsed dye laser): somente tem indicação na fase residual dos hemangiomas, no tratamento das telangectasias.

Bibliografia:
1-Mulliken JB, Glowacki J. Hemangiomas and vascular malformations in infants and children: a classification based on endothelial characteristics. Plast Reconstr Surg 1982; 69: 412–423.

2- Greene AK. Management of hemangiomas and other vascular tumors. Clin Plast
Surg. 2011 Jan;38(1):45-63. Review.

3- Greene AK. Vascular anomalies: current overview of the field. Clin Plast Surg.
2011 Jan;38(1):1-5. Review.

4- Greene AK. Systemic corticosteroid is effective and safe treatment for
problematic infantile hemangioma. Pediatr Dermatol. 2010 May-Jun;27(3):322-3.

5- Maguiness SM, Frieden IJ. Current management of infantile hemangiomas. Semin Cutan Med Surg. 2010 Jun;29(2):106-14.

6-Akhavan A, Zippin JH. Current treatments for infantile hemangiomas. J Drugs
Dermatol. 2010 Feb;9(2):176-80.

7-Jinnin M, Ishihara T, Boye E, Olsen BR. Recent progress in studies of
infantile hemangioma. J Dermatol. 2010 Nov;37(11):939-55.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Diagnostico Diferencial das Anemias


Liane Esteves Daudt

DEFINIÇÃO: A anemia é a redução do número de eritrócitos ou da concentração de hemoglobina a partir de dois desvios-padrão da média da população normal de acordo com a idade e o sexo. É um sinal da presença de uma determinada doença que afeta o setor eritróide isoladamente, ou em associação a outras alterações, reduzindo a produção ou aumentando a destruição periférica dos eritrócitos.

ESTRATÉGIA PARA O DIAGNÓSTICO: como a anemia é um sinal, sempre a história e o exame físico serão importantes para guiar a busca da etiologia. Após a avaliação clínica, o hemograma completo fornece informações adicionais para a conclusão diagnóstica.

Quando um paciente apresenta anemia é importante estabelecer se o problema atinge apenas a série eritróide, ou se, também, compromete as outras séries hematopoiéticas. O comprometimento de 2 ou mais linhagem celulares sugere envolvimento da medula óssea ou uma doença sistêmica severa (p.ex. SIDA, LES, leucemia aguda). A contagem de reticulócitos também auxilia em avaliar a capacidade de produção da medula óssea, quando diminuída sugere depressão da eritropoiese, enquanto que seu aumento sugere destruição periférica dos eritrócitos. A característica morfológica das células hematopoiéticas vista no esfregaço do sangue periférico e os índices hematimétricos, igualmente, fornecem informações úteis para nortear o diagnóstico etiológico.

Para fins práticos, as anemias são classificadas de acordo com os índices hematimétricos (VCM e CHCM) em microcíticas e hipocrômias, normocíticas e normocrômicas e macrocíticas (figura 1). Esta classificação orienta a investigação etiológica. Por exemplo, a anemia ferropriva, as talassemias e a anemia associada a doenças crônicas são microcíticas e hipocrômicas, enquanto que as deficiências de folato e vitamina B12 apresentam anemia macrocítica.

Baseado nas informações clínicas e do hemograma, muitas vezes é possível estabelecer o diagnóstico da etiologia e conseqüente conduta. Caso necessário, outros exames laboratoriais podem ser incluídos na investigação para a confirmação diagnóstica como eletroforese das hemoglobinas, medulograma, dosagem de vitamina B12, provas de função renal, hepática e de tireóide e etc.

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA

1.    Lanzkowsky P. Manual of Pediatric Hematology and Oncology. Churchill Livingstone, 4 ed., 2005.
2.    Nathan DG e Oski FA. Hematology of Infancy and Childhood. W.B. Saunders, 6 ed., 2003.
3.    Robert J. Arceci, Ian M. Hann, Owen P. Smith editors. Pediatric hematology. Blackwell Publishing Ltd. 3 ed., 2006 

Figura 1


















VCM: volume corpuscular médio; Vit.B12: vitamina B12; AHAI: Anemia Hemolítica Autoimune

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Catarata na Infância


A catarata é a opacificação do cristalino, podendo ser parcial ou total. Na presença da catarata a imagem não se forma adequadamente na retina, impedindo o desenvolvimento visual adequado, que ocorre nos primeiros anos de vida, principalmente nos primeiros quatro meses (período crítico do desenvolvimento visual). Desta forma, a catarata na infância, se não diagnosticada e tratada precocemente, determina diminuição da acuidade visual de forma irreversível (ambliopia).

As cataratas são responsáveis por 5 a 20 % dos casos de cegueira em crianças a niveis mundiais, e ainda em números maiores em paises subdesenvolvidos. Estudos epidemiológicos demonstram uma prevalência de cataratas congênitas na faixa de 1.2 a 6.0 casos por 10.000 nascidos vivos. No Brasil ainda não temos estatísticas confiáveis.

Embora as causas de catarata infantil gere uma lista extensa, um número expressivo de casos ocorre em crianças que já apresentam sinais de outra anormalidade sistêmica, podendo-se assim inferir-se a etiologia.  Já, em crianças hígidas, grande parte destes casos a catarata é idiopática, porém a herança autossômica dominante representa a maioria (apresenta expressividade variável, fazendo que muitas vezes os pais não saibam que são portadores).

Na busca da etiologia, é util fazer a distinção entre o envolvimento uni ou bilateral. As bilaterais são geralmente hereditárias e podem ser associadas a doenças sistêmicas (70%  dos casos).  Já as unilaterais, são, na sua maioria, oriundas de disgenesias oculares, e, como regra, não estão associadas a doenças sistêmicas (a exceção da Rubéola Congênita, que pode causar catarata unilateral). Importante lembrar o efeito dos cortiscosteróides implicados no desenvolvimento de catarata (e glaucoma, com grande freqüência, principalmente no uso ocular).

As cataratas entram no diagnóstico diferencial das leucocorias (reflexo branco na pupila). 50 % das cataratas da infância apresentam-se já ao nascimento (catarata congênita), podendo ser detectadas pelo Teste do Reflexo Vermelho (Teste do Olhinho). O nistagmo e estrabismo também podem ser determinados pela opacificação do cristalino, entretanto, estes sinais já são de aparecimento mais tardio, levando a um pior prognóstico visual.

Dependendo das características da opacificação do cristalino pode-se optar por tratamento cirúrgico, uso de óculos ou  tratamento da ambliopia apenas. As cataratas pequenas, parciais, que não acometem significativamente o eixo visual, não necessariamente precisam ser removidas. O paciente pode ser tratado através de oclusão e/ou uso de óculos. Já as cataratas mais densas requerem a pronta intervenção cirúrgica. Nestes casos, quando a catarata é unilateral, a ambliopia é muito mais grave, e por isso tem-se maior urgência no tratamento (dentro de 30-40 dias de vida). 

De forma geral, quando a cirurgia é realizada no primeiro ano de vida, a lente intra-ocular não é implantada, e a criança é opticamente reabilitada através de óculos ou lentes de contato, além da oclusão. As lentes intra-oculares são bem toleradas quando implantadas após os 2 anos de idade.

A ambliopia instala-se muito rapidamente nas crianças com catarata, e desta forma, o diagnóstico precoce é fundamental, permitindo tempo hábil no tratamento, minimizando os efeitos da ambliopia.

Giovanni M. Travi
CRM 23.483
Oftalmologista Pediátrico

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

O Pediatra e a Amamentação

Roberto Mario Silveira Issler

O que um Pediatra deve saber sobre amamentação?
Quais os principais conteúdos sobre lactação humana e amamentação que são perguntados no TEP?

Colegas, acho que uma coisa é se preparar para o TEP, para ir bem nessa prova e conquistar esse valorizado título de nossa especialidade.Assim, todo o Pediatra deve conhecer os conteúdos básicos da anatomia e da fisiologia da amamentação, identificar, prevenir e às vezes intervir para ajudar a mãe e o bebê a superar os problemas dos primeiros dias – bebê que recusa o peito, fissura mamilar, ingurgitamento mamário, baixo ganho ponderal – e também reconhecer problemas mais tardios, como moniliase – na boca do bebê e na região areolar da mama da mãe – mastite, baixa quantidade de leite.

Isso sem falar nas drogas utilizadas pela mãe e seu efeito no bebê.  Ou mesmo revisar as contra-indicações – que são muito poucas, na verdade – à amamentação. E revisar também a introdução de alimentação complementar e como orientar a volta ao trabalho para aquelas mães que terminaram sua licença gestante e querem continuar amamentando.

A amamentação de prematuros e bebês com dificuldade, então, são capítulos à parte. A translactação (o que é isso?), a relactação, o inicio da oferta de leite materno – por sonda, no copinho ou de seringa, o banco de leite humano com suas rotinas e técnicas de coleta e armazenagem para ajudar as mães dos prematuros. E como amamentar bebês com lábio leporino, com déficit neurológico ou sindrômicos?
Porém, vejo a postura do pediatra diante da amamentação como um dos elementos básicos que podem ajudar a promover o bem estar do bebê e de sua mãe. Se tivermos oportunidade de realizar um consulta pediátrica de pré-natal, esse tema é um dos principais a serem abordados.

Uma atitude positiva é um bom início. Saber escutar a família de seu futuro paciente desde esse primeiro contato garante uma base sólida para uma boa relação médico-paciente, com benefícios para a futura criança que será cuidada e atendida por nós. A participação atenta e tranqüila do pediatra na sala de parto, proporcionado que os bebês nascidos com boa vitalidade – a grande maioria – possam fazer um contato pele a pele, olho no olho, logo após o nascimento, garante o início de um vínculo afetivo intenso. Nós pediatras temos o privilégio de estar presente nesse momento. No nosso dia a dia atribulado às vezes não percebemos mais todos esses profundos sentimentos relacionados ao nascimento que podem ter influencia direta no início da amamentação tranqüila e prazerosa.

A amamentação será bem sucedida se harmonizarmos nosso conhecimento teórico e a nossa formação profissional com uma postura positiva, com sentimento e com paixão, ouvindo o que a mãe tem a nos dizer, antes de opinar, sugerir ou determinar condutas. Tenham certeza que nossos pacientes serão sempre gratos por isso.

E uma maior duração da amamentação – exclusiva até os seis meses e até os dois anos ou mais – trará benefícios para a criança, para a família, para a comunidade e para os pediatras.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Infecção fúngica invasiva em Recém-Nascidos

Dr. Ilson Enk

A incidência de infecção fúngica em neonatos tem aumentado nas últimas décadas, especialmente a partir do avanço nos cuidados intensivos e maior sobrevivência, e longas internações, dos prematuros de muito baixo peso (< 1000 g). A Candida albicans é a principal espécie a determinar infecções fúngicas em recém-nascidos (RN), produzindo 40- 70% dos casos de sepse fúngica, ou infecção fúngica invasiva (IFI) destes pacientes. Outras espécies, como Candida parapsilosis, Candida tropicalis e Candida grabata tem sido identificadas em Unidades de Tratamento Intensivo Neonatal (UTIN).

Trata-se de preocupação observada em todos os países, em face de elevada morbimortalidade resultante. A incidência de infecção fúngica é alta, atingindo cerca de 10% dos prematuros com menos de 1000 g. RN a termo sob cuidados intensivos prolongados também pode apresentar IFI.

Fatores de risco:

Além do imunocomprometimento próprio da prematuridade, são considerados fatores de risco para IFI:
•    Procedimentos invasivos/ acessos vasculares centrais/ sondas vesicais/ drenos.
•    Intubação traqueal
•    Antibióticos de amplo espectro (especialmente cefalosporinas de 3ª geração e carbapenêmicos).
•    Nutrição parenteral
•    Uso de esteroides e bloqueadores H2.
•    Cirurgia abdominal.
O cateter vascular central tem sido apontado como principal fator de risco para candidemia neonatal.

Manifestações clínicas:

São inespecíficas, como se observa nas demais septicemias neonatais, podendo ser sutis ou insidiosas;
•    Distúrbio respiratório/ apneias.
•    Instabilidade térmica e glicêmica.
•    Hipoatividade.
•    Distensão abdominal
A presença de candidíase mucocutânea pode favorecer o diagnóstico.

Métodos diagnósticos subsidiários:

•    Plaquetopenia inexplicada.
•    Leucopenia ou leucocitose/ neutropenia (< 1500/ mm³).
•    Dilatações ventriculares, microembolias, abscessos cerebrais (Ecografia,TC).
•    Hidronefrose por bola fúngica, abscesso renal (Eco).
•    Endoftalmite/ retinite (oftalmoscopia).

Complicações:
Fato importante, e nem sempre valorizado, aponta que os prematuros sobreviventes de IFI apresentam maior risco para sequelas neuro-desenvolvimentais. Vale lembrar que a IFI, pela disseminação do fungo, ou candidemia, pode determinar:
•     Meningite/ abscessos cerebrais (25-50% dos casos de IFI)
•     Abscessos cardíacos/ vegetações fúngicas intracardíacas
•     Pielonefrite
•     Infecções de pele e tecidos moles
•     Pneumonite
•     Hepatite
•     Colecistite
•     Endoftalmite/ retinite (6% dos casos de IFI)
Percebe-se assim que o paciente sobrevivente de IFI pode apresentar, entre outros, também quadros futuros de insuficiência renal, cegueira e cardiopatia. A mortalidade decorrente de infecção fúngica invasiva (IFI) alcança 20- 75% dos casos, sendo inversamente proporcional à idade gestacional.

Tratamento:

Anfotericina B e fluconazol são os agentes mais utilizados. A indicação é empírica na maior parte dos casos, em face da sensibilidade baixa de culturas, exigindo elevado grau de suspeição diagnóstica. A flucitosina não tem sido recomendada em prematuros pela elevada nefrotoxicidade. Há poucos estudos com micafungina em RN.

A duração do tratamento antifúngico deve ser de 3 semanas, ou por 14 dias após a primeira hemocultura negativa. Meningite ou endocardite indicam tratamentos mais prolongados.

A retirada imediata de cateter central pode evitar infecção prolongada, reduzir mortalidade e prevenir sequelas.

A terapia antifúngica empírica tem demonstrado reduzir a mortalidade  por  IFS, porém não  há comprovação de que previna sequelas neurológicas ou outras morbidades associadas a estas infecções.

Profilaxia antifúngica:

Indicada para prematuros com peso abaixo de 1000 g ao nascer, em unidades com alta incidência documentada de IFI. O ideal é monitorar em cada serviço a taxa de colonização dos prematuros por espécies de Candida, para definir protocolo de fluconazol profilático.